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segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Historiadora organiza guia sobre o patrimônio cultural dos cemitérios catarinenses

Pode parecer estranho, ou talvez isso nunca tenha passado pela sua cabeça, mas a preservação de cemitérios como patrimônio histórico é uma forma de entender uma cidade e a população que nela vive e viveu. Em Santa Catarina, apenas o cemitério dos Imigrantes, em Joinville, é tombado pelo Iphan (Instituto de Patrimônio Histórico Artístico Nacional) desde 1960.


Pelo tombamento estadual, de acordo com Vanessa Pereira, diretora de preservação do patrimônio histórico da FCC (Fundação Catarinense de Cultura), está em processo também o cemitério de São Martinho Alto, em São Martinho, que deve ocorrer até o final deste ano. Os demais cemitérios antigos acabam entrando como espaço de preservação a partir do momento que uma igreja é tombada e todo o seu entorno é reconhecido. Contudo, o cemitério acaba não tendo seu devido reconhecimento histórico.

No último mês foi lançado em Florianópolis, durante o 8° Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais, no campus da Udesc (Universidade do Estado de Santa Catarina), o guia “Patrimônio Cultural Funerário Catarinense”, primeiro volume da coleção “Horizontes do Patrimônio Cultural”, editado pela FCC. Nele, a historiadora e presidente da associação, Elisiana Trilha Castro, reúne cerca de 30 cemitérios catarinenses separados em sete regiões e destaca os bens funerários materiais e imateriais, no caso os cemitérios, as manifestações e os ritos considerados imprescindíveis à história das cidades.

Há casos que se destacam pela peculiaridade, como o cemitério da comunidade alemã, em Florianópolis, que surgiu no século 19 para abrigar os mortos protestantes, que à época não podiam ser sepultados junto aos de predominante fé católica. Outros chamam a atenção pelo exotismo, como o cemitério Edith Gaertner, em Blumenau, dedicado a gatos de estimação. As diferenças também se evidenciam pelo regionalismo (Serra, Litoral e Extremo Oeste) e eventos históricos, a exemplo dos cemitérios de Irani e Taquaruçu, palcos da Guerra do Contestado (1912-1916).

O projeto surgiu do aumento da demanda de pedidos à FCC pelas comunidades para tombamentos cemiteriais. “Começamos a estudar essa questão dentro da fundação e surgiu a ideia de fazer um trabalho orientativo, pois é um tema bem inovador, e há poucos cemitérios tombados no país”, coloca a diretora Vanessa. Em seguida surgiu o nome da historiadora Elisiana, que há 15 anos estuda o assunto.

Tombamento e vandalismo

Elisiana, que presta consultorias a diversos cemitérios do Estado e escreveu quatro livros inventários, deu o pontapé inicial no tema quando defendeu o TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) sobre o cemitério que existia na cabeceira da ponte Hercílio Luz entre as décadas de 1840 e 1920, e que foi retirado do local para a construção da ponte. Os corpos foram transferidos para o cemitério do Itacorubi, que hoje é o maior cemitério público do Estado.

Elisiana Castro Trilha - Daniel Queiroz/ND
Elisiana Castro Trilha estuda o tema há 15 anos  - Daniel Queiroz/ND

O guia, escrito e organizado em 2014 mas lançado este ano, acaba reunindo pesquisas de Elisiana desde 2002. “Foi um desafio para mim, pois já tinha viajado pelo Estado todo, mas não tinha pensado ainda o que era o patrimônio cultural do nosso Estado”, afirma ela.

O livro tem o objetivo introduzir a temática de forma clara e objetiva para que as comunidades consigam utilizar, além das pessoas que atuam na área. “Ele é breve, com uma tentativa de falar o que seria importante para cada região do Estado, citando cemitérios que caracterizam Santa Catarina na questão de patrimônio funerário”, diz. Cidades e localidades, como São Martinho, Coxilha Rica, sítios da área do Contestado, Urussanga, Nova Veneza, Lages, Rancho Queimado, São Pedro de Alcântara e os cemitérios do Itacorubi e da irmandade Senhor dos Passos, em Florianópolis, são alguns dos destaques.

A historiadora explica que para conseguir o tombamento histórico de um cemitério se considera questões como a arquitetura, as obras, a relação com a comunidade e a origem dela. Verifica-se ainda a relação de religião e hábitos culturais, que entram como patrimônios imateriais. Elisiana afirma que qualquer pessoa pode pedir o tombamento. No caso de São Martinho Alto, algumas pessoas da comunidade solicitaram porque o cemitério foi o primeiro onde se instalaram os imigrantes alemães da região. “O valor histórico está na pátina do tempo, e algumas pessoas acham que por não estar com a pintura boa, tem que ser derrubado. Aquelas décadas que ela [a lápide] passou recebendo o ritual da família e os membros é a riqueza dela. Em Roma a gente viaja para ver ruína e não quer por nada abaixo. Aqui ficamos incomodados com o antigo”, diz a pesquisadora.

Outra questão que preocupa as pessoas que trabalham com a área cemiterial é o vandalismo. No mês de junho, um caso no cemitério Cruz Alta, em Lages, assustou a região. Cerca de 50 túmulos foram destruídos, entre eles o de Ernesto Canozzi e Olintho Pinto, conhecidos como os irmãos Canozzi. Assassinados em 1902, o crime repercutiu muito na época e chegou a se transformar em documentário. Até hoje os Canozzi são tido pelos lageanos como milagreiros.  

Isolamento geográfico 

Se hoje a Grande Florianópolis sofre com a falta de túmulos para a população, o mesmo não acontecia em cidades do interior do Estado. Coxilha Rica, uma localidade de Lages, por exemplo, tem quase 20 cemitérios, segundo a pesquisadora. São Martinho conta com pelo menos dez - todos alemães com arquiteturas singulares -, e Blumenau, antes de ser desmembrada, teria ao menos 30 terrenos para enterro.

Elisiana explica que isso é uma característica da colonização, da ocupação espacial e dos isolamentos geográficos, já que muitas comunidades ficavam afastadas dos centros onde teriam os cemitérios “oficiais”. Para facilitar o enterro e os rituais, os mortos eram enterrados mais próximos dos bairros, criando assim sua própria ordem cemiterial.   

A historiadora diz que é chamada por diversas vezes em comunidades distantes, pois há pessoas que querem destruir cemitérios antigos. Por isso, ela vai até o local e por meio de conversas tenta reverter a situação e evitar que eles apaguem a própria memória. “A comunidade tem que preservar os cemitérios, ver a expansão da cidade para outros lados, sem ter que demolir um túmulo antigo, que tem um valor social, para colocar um novo”, explica.

Primeiro museu do país  

Parece que quando o assunto é cemitérios, Santa Catarina é pioneira. Além do guia lançado pela FCC, que é o primeiro no país, em Blumenau foi inaugurado no último dia 20 o primeiro museu sobre morte e cemitérios.

O Memorial Mathias Haas, idealizado pela família Haas, que há cem anos trabalha no ramo de funerárias, levou sete anos para sair do papel. Ele contou com a ajuda voluntária da pesquisadora Elisiana para começar a funcionar. “Não tínhamos nenhum museu no Brasil para pensar o tema da morte e cemitérios. Ele tem um acervo incrível e que me mostrou que o patrimônio funerário não era só os cemitérios, mas materiais advindos de empresas, a imaterialidade dos ritos, que nem sempre se dão só no cemitérios, mas nas rodovias, onde famílias fazem seu ritual por aqueles que perderam a vida no caminho”, observa ela.

Ainda esse ano, Elisiana vai para o Uruguai em um encontro latino-americano para apresentar o guia catarinense e o museu para 17 países. “Estamos dentro do tema da morte, mas a morte é um pretexto para gente pensar na vida”, finaliza.

SERVIÇO

"Patrimônio Cultural Funerário Catarinense – Coleção Horizontes do Patrimônio Cultural". De: Elisiana Trilha Castro. Editora: FCC Edições. 54 págs. Além da versão digital, no site da FCC, o guia também pode ser adquirido no formato impresso. Interessados poderão se informar junto à Diretoria de Preservação de Patrimônio Cultural da FCC pelo e-mail patrimônio@fcc.sc.gov.br.

Fonte: Jornal Notícias do Dia

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