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sexta-feira, 10 de março de 2017

O cemitério que conta a história da América pré-Trump

Nos 253 hectares do Cemitério Nacional de Arlington há mais de 400 mil sepulturas. Do general Robert E. Lee aos presidentes Taft e Kennedy, são muitas as figuras incontornáveis da história americana que ali se encontram.


"Senhoras e senhores, pedimos a vossa atenção!", grita o soldado do 3.º Regimento de Infantaria dos Estados Unidos, dando início ao ritual da mudança da guarda junto ao Túmulo do Soldado Desconhecido no Cemitério Nacional de Arlington. Apesar de a chuva ameaçar e das temperaturas abaixo dos cinco graus, são muitos os turistas a assistir à cerimónia. Os militares convidam quatro alunos de uma das muitas escolas que visitam o cemitério a ajudá-los a colocar a coroa de flores vermelhas que se encontra sempre diante do sarcófago de mármore branco que representa todos os soldados americanos caídos em combate. Ao fundo, avista-se o obelisco do Monumento a Washington e a capital federal. Pela encosta da colina, há milhares e milhares de lápides brancas de soldados, num cemitério que conta a história da América pré-Trump através dos seus heróis, do general sulista Robert E. Lee ao presidente John F. Kennedy.

Quem sai do metro na estação do Cemitério de Arlington não tem grandes dúvidas sobre a direção a seguir. Depois de subir as escadas rolantes logo se avista a bandeira dos EUA ao lado da Arlington House, a mansão de estilo neoclássico que pertenceu ao general Lee e cujos terrenos, apreendidos na Guerra Civil (1861-65), foram destinados ao cemitério militar.

Passada a segurança e comprado o bilhete para o tour de autocarro, é subir para a carruagem azul e ir seguindo as indicações de Mike, o primeiro narrador do dia. "Hoje há 12 funerais a decorrer. Essas áreas estarão fechadas", explica o jovem loirinho, encolhido num grande casaco escuro. A primeira paragem é uma das mais emblemáticas: o túmulo do presidente John F. Kennedy. Reza a lenda que o 35.º presidente americano, numa visita a Arlington dias antes de ser assassinado, terá exclamado: "Podia ficar aqui para sempre." E foi o que aconteceu, depois de ser abatido a tiro em Dallas, no Texas, a 23 de novembro de 1963, mergulhando a América no luto pelo jovem presidente.

Enquanto se sobe a ligeira inclinação, nada deixa adivinhar que ali se encontra sepultado um dos mais populares presidentes da história dos EUA. Só mesmo chegando ao local se veem as lápides escuras no chão. JFK com a mulher Jackie ao lado e rodeado por dois dos filhos, um morto em criança e o outro nado-morto. Foi Jackie que, depois da morte do presidente, determinou que o marido "pertencia ao povo", estando na origem da vinda do corpo para Arlington. A ex-primeira-dama insistiu ainda na colocação junto à lápide de uma chama eterna.

Mais abaixo encontra-se o resto da família: Joe, o irmão mais velho dos Kennedy, que morreu na II Guerra Mundial; Robert, assassinado em 1968 durante as primárias democratas para as presidenciais; e Ted, o senador que se juntou aos irmãos após a sua morte em 2009.

Camisa aos quadrados, cabelo rapado, sem casaco apesar da temperatura pouco amena, um homem aponta para o túmulo de JFK e diz qualquer coisa ao ouvido do filho. Este, sweatshirt dos Chicago Cubs, acena com a cabeça, respeitando o silêncio que se vive naquele local. "É muito importante ele ver isto", explica o sargento John Carville. Veterano da Guerra do Iraque, veio de Chicago até Washington para umas curtas férias e não quis deixar de visitar o cemitério de Arlington. "Perdi muitos camaradas. Alguns estão aqui", diz. Pede desculpas e afasta-se, de lágrimas nos olhos, em direção a algumas das mais de 400 mil sepulturas - a maior parte assinalada por lápides brancas. Espalhados pelas 70 secções do cemitério, estão homens e mulheres caídos em conflitos que vão da Guerra Civil americana ao Iraque ou ao Afeganistão, passando pelo Vietname ou a Guerra da Coreia.


O único nobel

Para voltar ao autocarro azul basta esperar uns minutos no mesmo sítio onde se saiu e seguir até à próxima paragem. Com um narrador diferente, fica a saber-se que acabámos de passar pela secção dos capelães e pelo túmulo de George Marshall, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas americanas durante toda a II Guerra Mundial, secretário de Estado e depois da Defesa, e o único nobel sepultado em Arlington (recebeu o prémio da Paz em 1953 pelo plano que ajudou a reconstruir a Europa). Do lado esquerdo surge a pontinha do gigantesco edifício do Pentágono. Foi ali, naquela face, que o avião desviado pelos piratas do ar se despenhou a 11 de setembro de 2001, matando 184 pessoas, entre civis e militares. Todos eles estão homenageados noutro ponto do cemitério de Arlington.

Para visitar os 253 hectares do cemitério seria preciso muito mais do que uma manhã, mas há pontos imperdíveis. É o caso do túmulo do Soldado Desconhecido. Escondido dos olhares de quem chega pelo anfiteatro do cemitério, o local é guardado 365 dias por ano, 24 horas por dia. Todas as horas à hora certa é hora da mudança da guarda. Um dos momentos mais esperados pelos turistas que visitam o cemitério. Entre a assistência neste dia, além de um grupo de antigos militares, há muitos jovens que vieram em visita de estudo, famílias com os filhos pequenos e alguns estrangeiros. Estes são fáceis de identificar no momento em que todos os americanos colocam a mão direita sobre o coração, ao grito de "Apresentar armas!" e quando um dos militares começa a tocar trompete.


"Oportunidade maravilhosa"

Kelly Snider é professora na North Pole High School, o liceu daquela cidadezinha do Alasca com dois mil habitantes e nome de polo norte. E é a primeira vez que vem a Arlington com os alunos. "Vivemos numa terra onde há muitos militares, temos duas bases nas imediações. Eles são muito importantes para a nossa economia e para todo o estilo de vida da nossa comunidade", explica a professora, que os colegas e alguns pais que acompanham a visita designaram logo para falar. Kelly explica que não foram os alunos dela que os militares escolheram pouco antes para participar na cerimónia junto ao túmulo do Soldado Desconhecido, esses pertenciam à West Valley High School, uma escola de Fairbanks, também no Alasca. Para a professora, esta é "uma oportunidade maravilhosa para estes jovens participarem numa cerimónia militar, perceberem a importância das Forças Armadas no nosso país".

Com idades entre os 15 e os 19 anos, Snider diz já ter alunos alistados. E o que pensam eles do novo presidente Donald Trump? "É importante que os alunos vejam transições pacíficas e isso não aconteceu. Eles estão divididos em relação ao futuro", diz. E acrescenta que o Alasca "é muito conservador. Em North Pole, a população é militar, é gente pró-armas, pró-exército". Afinal estamos a falar dos habitantes do estado governado entre 2006 e 2009 por Sarah Palin, a candidata a vice-presidente de John McCain conhecida por gostar de caçar ursos.

Continuando sempre a subir e depois de passar por muitas mais lajes brancas com os laços vermelhos chega-se à primeira coisa que os olhos de qualquer visitante vindo do metro avistam: a Arlington House. A mansão com as suas colunas imponentes foi mandada construir em 1802 por George Washington Parke Custis, neto adotivo de George Washington, o primeiro presidente dos EUA. Custis e a mulher viveram lá até morrerem e a mansão passar para a filha, Mary, que se casou com o amigo de infância, Robert E. Lee. À frente das tropas do Sul esclavagista, o general Lee acabaria por ser derrotado na Guerra Civil, perdendo o conflito para os unionistas do general Ulysses S. Grant. E ficando sem a mansão onde vivia. Os terrenos à volta do edifício foram comprados pelo Congresso, que garantia assim que Lee nunca voltaria a casa, e destinados ao Cemitério Nacional de Arlington, que foi inaugurado em 1964, um ano antes do fim da guerra.

Hoje a Arlington House é uma das principais atrações do cemitério. Empenhados em tirar selfies e em evitar as poças de lama, um grupo de umas duas dezenas de pessoas vira costas à vista que se tem do topo da colina. Ao fundo espreitam o Capitólio, o Obelisco e, claro, o rio Potomac, que separa Washington e o Distrito de Columbia do estado da Virgínia, onde se situa Arlington.

Num dos pontos mais altos fica o túmulo de Pierre l"Enfant. Nascido em Paris, o filho de um pintor que trabalhou para o rei Luís XV deixou a escola em França para se juntar aos soldados que combatiam contra os britânicos pela independência dos Estados Unidos. Ferido e capturado durante o conflito, depois de libertado serviu sob as ordens do general George Washington. Finda a guerra, foi nuns EUA independentes que se instalou como engenheiro civil em Nova Iorque, alcançando algum sucesso. Quando soube que o governo planeava construir uma nova capital federal, L"Enfant escreveu ao presidente Washington a pedir para ser escolhido para planear a cidade. São dele os planos para o Capitólio, a Casa do Presidente, hoje conhecida como Casa Branca, e uma "grande avenida" que se transformaria no Mall. Sem nunca ter sido pago pelo trabalho e caído em desgraça, L"Enfant morreu na pobreza em 1825. Seria preciso esperar até 1909 para as autoridades ordenarem que os seus restos mortais fossem para Arlington, sendo colocados num sarcófago com vista para a cidade que planeou. Dali assistiu à evolução da América, desde Taft até Trump.

Em Washington DC, a jornalista viajou a convite da FLAD.

Fonte: DN.pt

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