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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Biossistema: uma saída sustentável para tratar esgoto em favelas

O ponto de partida foi o pedido do líder comunitário Otávio Barros, que queria um modo de resolver o problema do tratamento de esgoto sanitário na comunidade do Vale Encantado que, como o nome bem sugere, é um enclave de 27 casas em meio ao verde da Floresta da Tijuca, no Alto da Boa Vista.  Para os pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio), Leonardo Adler e Tito Cals, que há sete anos conheciam o potencial do biodigestor em  sistemas de pequena escala, o problema seria um bom meio de testar na prática o que andavam pesquisando.


Desafio aceito, Adler e Cals procuraram o apoio do professor Tácio de Campos, Cientista do Nosso Estado, da FAPERJ, e coordenador do Núcleo de Excelência em Geotecnia Ambiental do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da PUC-Rio, e foram pesquisar o que já havia sido feito nesse campo. A equipe estudou o modelo indiano, que vem sendo instalado naquele país desde 1939, e o modelo chinês, que, nos anos 1970 já contava com mais de 7 milhões de sistemas do gênero instalados, aproveitando esterco animal para gerar gás em zonas rurais. No Brasil, uma organização não-governamental, o Instituto Ambiental (OIA), foi criada para gerir o primeiro sistema implantado no município de Silva Jardim pelo instituto alemão Hamburger Umweltinstitut, projeto que mais tarde foi estendido à região de Petrópolis.

“Para a construção do projeto na comunidade do Vale Encantado, celebrou-se acordo de transferência de tecnologia entre a PUC-Rio e a organização não-governamental  Viva Rio, que contratou um dos fundadores do OIA, Valmir Fachini, para construir biossistemas no Haiti. Naquele país já foram construídos aproximadamente 100 biossistemas. Parte da mão de obra utilizada é de moradores da própria região”, diz o coordenador Tácio de Campos. Para implantanção do sistema no Vale Encantado, a equipe também contou com recursos do Auxílio Básico à Pesquisa (APQ 1), da FAPERJ.

Para quem ainda não ligou o nome ao objeto, biossistema é a integração das etapas anaeróbica e aeróbica do tratamento de esgoto. A biodigestão é a primeira etapa. Nela, os resíduos passam pelo biodigestor, uma câmara inteiramente fechada, onde não há entrada de oxigênio, o que favorece a proliferação de bactérias anaeróbicas que digerem aquela matéria orgânica presente nos esgotos domésticos, gerando, em contrapartida, biogás, que nada mais é do que uma combinação dos gases metano, carbônico e sulfídrico. Com a vantagem que o biogás gerado pode ser muito bem aproveitado, alimentando, por exemplo, um fogão, ou mesmo um aquecedor. “Em escalas maiores é possível gerar energia elétrica ou até  combustível automotivo”, anima-se Adler.

Os sólidos não digeridos se depositam no fundo do biodigestor, de onde são removidos manualmente uma vez por ano e encaminhado à caixa de compostagem. Ali, em condições ideais de temperatura, aeração e umidade, a ação dos microorganismos presentes nos resíduos promove a degradação aeróbia desse material. O que resulta desse processo inteiramente natural pode ser utilizado como fertilizante, empregado em plantações de frutíferas. É a chamada compostagem.

Já os efluentes líquidos são encaminhados à segunda fase do tratamento, a chamada zona de raízes, uma sequência de tanques, preenchidos com material filtrante – que nada mais são do que pedras de brita de tamanhos diferentes, no caso, 1 e 4 – e plantas de brejo (que podem ser sombrinha chinesa ou papiro). Essas plantas absorvem os nutrientes (nitrogênio, fósforo e potássio) e transferem oxigênio para esses efluentes. “Também há oxigenação do material a partir do preenchimento e do transbordamento dos tanques que compõe a zona de raízes. No final, o que resta é água limpa, livre de contaminantes ou tratamento químico, que pode ser descartada sem maiores problemas”, afirma Adler.

“A grande questão é que um biossistema depende de espaço. O biodigestor do Vale Encantado, dimensionado para 150 pessoas, possui 3,40 metros de diâmetro x 1,70 de altura. A zona de raízes pode ser dimensionada considerando 1m2 por pessoa ou usando todo o espaço disponível caso não seja possível utilizar o dimensionamento proposto pela literatura. Faltando espaço, o biodigestor pode ser completamente enterrado, o que também ajuda a manter a temperatura ideal no interior do tanque. Não há quaisquer riscos de explosões ou coisa semelhante, já que não há oxigênio e nem faíscas que possam se inflamar”, explica Adler. Na pior das hipóteses, em caso de vazamento, como o biogás é mais leve do que o ar, ele acaba se dispersando naturalmente. “Nós já fizemos testes neste sentido”, garante Adler.

No Vale Encantado, aderir ao sistema será compensador. Cinco casas já estão conectadas à rede e produzindo biogás, que está abastecendo a família que mora mais perto do sistema. Na próxima etapa do projeto, será construída a rede que ligará todas as casas ao biossistema. “Com o esgoto de cinco casas, conseguimos gerar uma hora de gás por dia. Quando ligarmos as 27 casas da comunidade ao sistema, acreditamos que poderemos abastecer integralmente três ou quatro famílias. Se isso não parece tanto em termos de geração de gás, temos que pensar que estamos evitando a poluição dessa região da Floresta da Tijuca. E isso, por si só, já é um ganho e tanto”, afirma.

Além do ganho ambiental do projeto, há também os ganhos sociais.  Diversos grupos já visitaram o biossistema e aproveitaram para almoçar no restaurante comunitário do Vale Encantado, incluindo-se entre esses visitantes uma delegação da Columbia University, de Nova York. “Tudo isso mostra que, com a implantação do biossistema no Vale Encantado, o que era um grande problema pode se transformar numa ótima solução”, finaliza.



Fonte: FAPERJ – Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro

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