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quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Porque o defunto deixou a igreja

Origem dos cemitérios no século XVII.


Aconteceu no mundo inteiro, um fenômeno curioso no final do século XVII. Por medida sanitária os sepultamentos passam a realizar-se em área aberta, nos chamados campos-santos ou cemitérios secularizados.

Isto já não era novidade,japoneses, chineses, judeus e outros povos já traziam tradicionalizada a inumação a "céu aberto".

Os protestantes também, em muitos países o faziam. A mudança afetou principalmente os povos de predominância católica. No Brasil o enterro fora da igreja era reservado aos acatólicos, protestantes, judeus, muçulmanos, escravos e condenados, até que por lei, inspirada na correlação que se fez entre a transmissão de doenças através dos miasmas concentrados nas naves e criptas, se instalaram os campos de sepultamento ensolarados.

Um outro motivo, que embora não diga respeito a realidade brasileira merece ser citado, diz respeito a laicização do Estado e sua separação da Igreja. Um exemplo digno de nota é o caso do Pére Lachaise de Paris, que apesar de receber o nome de um padre católico abriga tanto pessoas de várias religiões quanto não-religiosos, sendo um dos dos primeiros cemitérios laicos e também um dos mais famosos do mundo.

A urbanização acelerada e o crescimento das cidades é também uma importante razão para a criação dos cemitérios coletivos a céu aberto, visto que o crescimento populacional desenfreado não permitia mais o sepultamento em capelas e igrejas, que já não comportavam o aumento da demanda.

Numa primeira impressão o fato parece ter explicação simples,mas quando se atenta para o resultado ocorrido, sobre mais de um século, estudando-se o fantástico derrame de fortunas nas construções tumulárias pomposas, dos abastados de cada cidade, quando se verifica a diferença de comportamento entre a sepultura de igreja e a de construção livre arbitrada pela fantasia do usuário, e também quando se considera a história social e cultural do mesmo período, então se percebem outras razões no fenômeno. Não foi somente uma questão do ponto de vista higiênico, ou seja, uma razão metade prática e metade científica (e também política e social), da sociedade oitocentista.Se esta mudança acontecesse apenas por esse motivo, os cemitérios católicos em descampados teriam permanecido sóbrios e padronizados do mesmo modo que os erigidos por irmandades em mausoléus coletivos, ou como os de outras religiões.

A simplicidade dos padrões tradicionais e primitivos continuou caracterizando a sepultura coletiva enquanto o fausto e a arrogância da tumulária individual se desenvolveu espantosamente.

Portanto a verdadeira razão da grande mudança de atitude e gosto já existia há longos tempos no anseio de monumentalizar-se perante a comunidade. Era e sempre foi o desejo dos mais abastados, distinguir-se através de uma marca perene, de um objeto de consagração- o túmulo- pela atração de compara-se aos grandes personagens da história, sem a menor cerimônia, incluindo nesta leva os soberanos, os faraós, os reis, os papas e os príncipes, que mereceram sepulcros diferenciados dos demais.

Há de fato túmulos monumentais de papas de acordo com a pompa de cada época, contudo sempre integrados à construção da igreja. Há papas que não restaram por virtudes, e sim pela eventualidade do valor artístico, ou monumental de seus túmulos. De qualquer modo, erigia-se a igreja como bem público, integrada ao uso coletivo, e nela se fazia a sepultura do seu doador e benfeitor...

Entretanto em muitas igrejas, originalmente levantadas para serem o jazigo do doador, este descansa sob uma lápide que nem perturba o nível do chão.

A arte tumulária varia com a data, acompanha cada estilo de época, e de região, e jamais sonega o caráter, a espiritualidade do meio em que ocorre. Sob tal prisma, isto é, tomando-se a arte tumulária como representativa desses atributos, podemos entender as estruturas sociais e culturais dos meios, mesmo quando tal se acha restrita a uma parcela da população. Aliás tal restrição relaciona-se diretamente com o tipo de economia da sociedade, estando deste modo a arte cemiterial condicionada a fatores de caráter sociológico, econômico e cultural.


 Arquitetura e Escultura Cemiterial

Apesar da aparência muitas vezes triste, os cemitérios, principalmente os mais antigos podem guardar ricas surpresas para quem se dispõe a procurar. Alguns constituem verdadeiras galerias de arte a céu aberto sendo até mesmo possível encontrarmos peças e esculturas de artistas famosos. Em países como a França e Argentina alguns cemitérios são até mesmo pontos turísticos que atraem viajantes do mundo inteiro como por exemplo os Cemitérios de Pére Lachaise(Paris) e da Recoleta(Buenos Aires).

Eles são concorridos pontos turísticos por terem entre seus "moradores eternos" figuras famosas que fizeram história nas artes ou na política. Mas com certeza a beleza da arte tumulária presente nestes cemitérios contribui e muita para a sua fama.

No Brasil também encontramos exemplo magníficos de arte tumulária principlamente nos cemitérios de São Paulo como Consolação, Araçá, Paulista e Morumbi. Também existem importantes acervos de arte tumulária no Rio de Janeiro, na Bahia e em Recife. Entretanto ao contrario do que ocorre em outros países são poucos os que percorrem os cemitérios brasileiros para visitação de túmulos ilustres( com exceção do dia de finados) ou que saibam apreciar as obras de arte que estes cemitérios muitas vezes escondem.

Muitos dos jazigos presentes nestes cemitérios foram feitos por artistas europeus e com materiais muitas vezes importados, tudo com o objetivo de enaltecer o nome das famílias abastadas. Em cemitérios como o da Consolação em São Paulo é possível encontrar obras de artistas consagrados como Brecheret e Luigi Brizzolara ao lado de outros não tão conhecidos como Eugênio Pratti e Ramando Zago. Muitos artistas italianos de renome deixaram um enorme acervo de peças espalhadas pelos cemitérios brasileiros, principalmente em São Paulo, e muitas destas peças só agora estão sendo identificadas. Para se ter uma idéia, somente no cemitério do Araça existem cerca de 80 peças catalogadas, de notório valor artístico.

O caráter individualizador do nome da família é uma das preocupações do imigrante europeu no Brasil, a partir da segunda metade do século XIX. Os cemitérios de Vila-Verde, Municipal de Curitiba, do Araçá e do Braz de São Paulo formam conjuntos de capelas jazigos familiares, recriando aquela atmosférica domestica dos bairros tradicionais dos imigrantes.

A comunidade representa-se, então , no todo do divisionismo e nos hábitos das famílias usuárias, que tratam de suas capelas como se fossem prolongamentos de suas próprias casas, levando para os jazigos os mesmos arranjos decorativos que o seu nível cultural lhes permite refletir.

A preocupação do colono europeu na área de enriquecimento imediato era muito tendente a individualizar seu nome, através da exibição de sinais de abastança. O caráter monumental da "última morada" era para muitos fruto de uma ansiedade de se auto-afirmar socialmente.

No estudo dos cemitérios brasileiros os estilos se sucedem como nas necrópoles européias, porém com datas defasadas e submetidos às razões da disponibilidade dos materiais locais.

Há uma certa diferença entre os objetos produzidos no percurso da belle époque e os que surgiram logo após, de um estilo diferenciado, denominado art noveau. Nas principais metrópoles européias o início da art noveau tem data certa em 1890.O seu surgimento elege a máquina como instrumento de pluralização de produção artística, capacitada para atender o consumo da decoração doméstica, trajes, e objetos de uso cotidiano até o nível da pequena burguesia urbana. Os meios de lavor artístico adquirem soluções mecânicas com instrumental elétrico de mauito maior rentabilidade de tempo e produção. Brocas serras e polidores elétricos, novos métodos de fundição e metalurgia possibilitam a reprodução de protótipos de objetos de criação artística, ao nível industrial.

Em relação a arte cemiterial, tais possibilidades determinam, em todos os centros urbanos de expressão e riqueza, novas e reconhecíveis características. Até então as construções cemiteriais se valiam do trabalho artesanal e da eventualidade artística. Com o trabalho industrial mecanizado, as fundições passaram a fornecer gradis e portões, cercaduras de ornatos, frisos, cruzes e alegorias pré-moldadas, vigas metálicas, colunatas de estruturas , etc. A estatuária não era mais trabalho do escultor, neste caso entendido como o artista criador do objeto modelado. Estatuário na linguagem do século passado, corresponde ao artesão habilitado a reproduzir em pedra os protótipos encomendados, mediante pantógrafo, brocas elétricas e produção em série.

O traço que distingue a passagem da arte tumulária neoclassista para a da belle époque corresponde , em primeiro lugar à diminuição, e mesmo esvaziamento da simbologia escatológica tradicional. Estas eram freqüentes, quase obrigatórias na fabricação dos marmoristas de Lisboa, tanto na representação do objeto principal como na distribuição dos elementos alegóricos. A belle epoque se despe da excessiva carga escatológica e se realiza como uma nova espiritualidade lírica, procurando impregnar, até as próprias alegorias, com uma aparência de profundo realismo, de verismo.

Por isso logo transforma a figura alada e assexuada dos anjos da estatuária classista, em novos personagens, em anjos de procissão que parecem existir em nosso cotidiano.

Os anjos da belle époque ganham sexo, expressam a idade, brincam como crianças, refletem juventude, mas também sabem assumir quando querem traduzir desolação, as atitudes mais teatrais e melodramáticas.

O romantismo das figuras da belle époque embora tenha uma apresentação realística não pode ser identificado com os sinais eróticos que se manifestariam depois na arte tumulária.

São igualmente frequentes na arte tumulária da belle époque sinais de referência e de simbolização de fortuna, do prestígio e da propriedade. A presença de alegorias pagãs, como o simbolo do deus Mércurio(ou Hermes, do Comércio), além de outras figuras mitológicas como ninfas também é constante. A belle époque também não foi insensível ao enaltecimento dos produtos industrializados substituindo o bronze pelo ferro em muitas das esculturas.

O final do século XIX e principio do século XX foi extremamente rico para a arte cemiterial brasileira por reunir ao mesmo tempo famílias com recursos financeiros e disposição para construir túmulos suntuosos e artistas de grande talento que aqui aportaram, principalmente italianos.

São desse período muitas das peças produzidas por Brecheret, de caráter modernista, além de outras peças que denotam sensualidade e monumentalidade, como a dos artistas Emendabili, Oliani e Nicola Muniz. Todos apresentando uma riqueza de detalhes e leveza surpreendentes.A presença de nus na arte cemiterial é uma grande inovação deste período.

Nos cemitérios brasileiros não é tão fácil distinguir-se essa sucessão cronológica dos estilos, comparecendo a belle époque e art noveau muitas vezes como mercadorias importadas, imitadas, dispostas e acumuladas ao longo das quadras. Devido a disposição muitas vezes atrofiada de alguns cemitérios até mesmo observar as peças torna-se muitas vezes um grande sacrifício. Outro fator de prejuízo é sem dúvida a má conservação de muitas das necrópoles brasileiras, algumas centenárias e em estado de total abandono. Numa perda irreparável de um belo patrimônio artístico nacional.

Hoje em dia, com o surgimento dos chamados "cemitérios-jardim" a arte da escultura cemiterial praticamente está extinta.Outro fator que leva a presença cada vez mais escassa de túmulos monumentais, é o alto custo dos materiais como o mármore, ferro e bronze, além da quase inexistência de artistas que se dediquem a este tipo de trabalho. Resta-nos portanto lutar para preservar esta verdadeiras obras de arte que ainda subsistem espalhadas pelos cemitérios brasileiros, começando por reconhecer o seu inestimável valor estético.
                                                                                                          
Por Beatrix Algrave

Fonte: Umbraum

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