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terça-feira, 22 de novembro de 2016

Mina de carvão ameaça paraíso ecológico

A exploração de uma mina de carvão a céu aberto na austral ilha de Riesco, um paraíso de diversidade biológica localizado na Patagônia do Chile, se converteu em exemplo da debilidade da legislação ambiental, criticada por moradores, ativistas, cientistas e parlamentares.
Riesco, a quarta maior ilha do país, no extremo meridional da América do Sul, possui um ecossistema marinho e terrestre onde convivem espécies como a baleia jubarte, quatro tipos de golfinhos, elefantes marinhos e pinguins. Também conta com pelo menos 24 espécies de mamíferos e 136 de aves.

“Eu não saio daqui, mas vejo as drásticas mudanças”, contou, preocupado, à IPS um dos 150 habitantes da ilha, Gregor Stipicic, por telefone, de Riesco. Com 36 anos, é o mais novo dos três irmãos Stipicic, donos de uma fazenda de 750 hectares, onde pastam cerca de seis mil ovelhas que estão ameaçadas pelas explosões com dinamite. Médico cirurgião de profissão, ele vive na fazenda agropecuária desde 2006, quando assumiu a propriedade após a morte de seu pai. O avô, imigrante croata, foi o primeiro da família que chegou à ilha, em 1956, atraído pela rica qualidade da terra.

A ilha Riesco tem cinco mil quilômetros quadrados e fica três mil quilômetros ao sul de Santiago, na localidade de Rio Verde, na região de Magalhães, a mais austral do país. Seus habitantes se distribuem em 30 fazendas e se dedicam principalmente à criação de ovelhas. Um terço da superfície da ilha forma a Reserva Nacional Alacalufe, uma das maiores do Chile, com cerca de 2,6 milhões de hectares de terras virgens, que faz parte do sistema de áreas protegidas do país.

A mina Invierno, a maior de carvão a céu aberto do Chile, pertence à Sociedade Mineradora Isla Riesco, propriedade das companhias chilenas Copec e Ultramar, que investiram US$ 600 milhões na exploração e possuem outras quatro minas na ilha, até agora inativas. O objetivo é explorar, por 12 anos, reservas de 73 milhões de toneladas de carvão sub-betuminoso B e C de baixíssimo poder calorífico (4.100 quilocalorias por quilo) e alto teor de metais pesados.

Esse carvão é vendido às centrais termoelétricas de Huasco, Tocopilla, Mejillones e Ventanas, no norte e centro do Chile. Também é exportado para China, Índia, Brasil e outros países. A firme baixa no preço internacional do carvão afetou os planos da companhia, que reduziu temporariamente a produção e também seu pessoal. A instalação da mina Invierno significou cortar 400 hectares de floresta nativa, secar uma lagoa e modificar todo o funcionamento hídrico próximo ao seu entorno. Hoje conta com três depósitos de material estéril de 60 metros de altura cada um.

“Tudo está sendo contaminado. Há 1.500 hectares afetados diretamente, que incluem 400 com um buraco que é a fenda de exploração, que já atingiu 100 dos 180 metros de profundidade projetados”, explicou Ana Stipicic, porta-voz do movimento social e ecológico Alerta Isla Riesco. “A última denúncia de contaminação que geramos foi a do rio Chorrillo Invierno Dos. Agora soubemos que também foram contaminados os rios Cañadón e Chorrillo Los Coipos. Existem piscinas de decantação para separar o material sólido, mas não funcionam”, disse à IPS, em Santiago, a ativista irmã de Gregor.

Ana Stipicic destacou que os rios contaminados afetaram um mangue e que “há pedaços enormes de carvão ao longo da margem costeira. O porto da mina e as trituradoras que moem o mineral lançam pó de carvão no mar. Isso ninguém estuda”. Ela afirmou que a dispersão de material em partículas “cai nos campos de pastoreio, nas florestas e em corpos de água vizinhos, onde há uma fauna riquíssima”, ressaltando que a exploração da mina provocou “enorme deslocamento de fauna, desde pássaros carpinteiros até o ratão do banhado e o cervo sul-andino”.

Por sua vez, o biólogo Juan Capella, da Fundação Jubarte, denunciou que o transporte de carvão em barcos pelo golfo de Otway, canal Gerónimo e estreito de Magalhães, afeta as baleias jubarte e os golfinhos que ocupam essa área, onde fica o Parque Marinho Francisco Coloane. “Há casos registrados de choques de cargueiros com baleias. Quanto mais carvão e mais tráfego de embarcações por um canal tão estreito, maior a probabilidade de choques e morte de baleias. Em março, um barco chocou-se com uma baleia e a matou”, apontou o especialista à IPS,de Punta Arenas, capital da região de Magalhães.

O especialista em clima Nicolás Butorovic acrescentou que, durante o Estudo de Impacto Ambiental da mina Invierno, “provamos que o projeto era ruim com relação ao material particulado sedimentar. Eles previram 60 microgramas por dia, mas as estações mediram até 158”. A companhia declarou, então, que não usaria explosões de dinamite, pois buscava uma mineração sustentável e que os ventos na região tinha média de 39 quilômetros por hora, quando, na realidade, às vezes superavam os 180 km/h.

Fernando Dougnac, presidente da organização de advogados ambientalistas Fima, apresentou um recurso no tribunal de Punta Arenas para frear as detonações e anexou uma ordem de não renová-las, que o tribunal acolheu, paralisando as explosões.Em seu recurso, Dougnac disse à IPS, em Santiago, que incluiu uma série de informes veterinários de 1998, que demonstram que as ovelhas em períodos de cruzamento, acasalamento e desmame – de quatro a cinco meses em diferentes períodos – são muito suscetíveis ao ruído, a ponto de se pedir que os trabalhadores não entrem onde há animais.

“Temos esperanças de que as explosões sejam suspensas nesses meses. A mina Invierno necessita reduzir os custos de operação, por isso insistirá em detonar quatro vezes na semana, que é o que está aprovado”, explicou Ana Stipicic.

O diretor nacional do Greenpeace Chile, Matías Asún, assegurou à IPS que a mineradora “enganou a população e abusou com relação às normas para permitir depois um sistema de exploração por meio de explosões de dinamite”. A seu ver, “a autoridade ambiental do Chile opera com critérios econômicos e comerciais. Seu discurso oficial não é a proteção do ambiente, mas a proteção dos investimentos”.

Asún pontuou que “é anacrônico um país em que as energias renováveis estão vivendo um crescimento com altas mundiais e o carvão está francamente de saída, também associado a múltiplos conflitos territoriais, dar um subsídio violando a normativa ambiental de fato e os compromissos que a própria empresa manteve com a comunidade”. Ressaltou que “Isla Riesco não é sustentável, mesmo barateando os custos com consequências ambientais”.

O deputado independente Gabriel Boric, representante da região de Magalhães, disse à IPS que a companhia fragmentou seu projeto de exploração do carvão de Riesco para conseguir sua aprovação. “Permitir que um projeto seja apresentado fragmentado, e desta maneira seu impacto ambiental nunca ser avaliado integralmente, é uma das principais debilidades que tem a institucionalidade ambiental, o que deve ser reparado em uma próxima reforma do sistema”, enfatizou.

Fonte: Envolverde

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