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segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Histórias dos cemitérios de Santos

No Filosofia, açougueiro virou empreiteiro do luto e zeladoria de sepulturas é feita em família


Limpando a estátua de bronze localizada no alto de uma sepultura no Cemitério da Filosofia, no Saboó, a zeladora Maria Tânia Mariano, de 55 anos, revela à Reportagem sua percepção acerca da vida. Como ela, dezenas de trabalhadores ganham o sustento por meio da morte, seja cuidando de túmulos ou de enterros, na cidade. De hoje (31) até quarta-feira (2), Dia de Finados, o Diário do Litoral abordará a rotina dessas pessoas e a história dos três cemitérios municipais de Santos.

“Eu já aprendi muita coisa trabalhando aqui. É uma lição de vida. Ninguém é melhor que ninguém. Às vezes você entra em um elevador e a pessoa não lhe dá nem um bom dia, uma boa tarde. Já vi gente que vive na arrogância e na ignorância não ter quem coloque seu corpo na campa, porque não tem ninguém no enterro. É preciso ter pé no chão e humildade”, disse Maria.

Maria mora ao lado do Cemitério da Filosofia, no Saboó, local que frequenta desde jovem, quando teve contato com a limpeza de sepulturas ao lado da mãe que já realizava este trabalho. Com a renda criou as filhas gêmeas, que também a ajudam no serviço. Uma delas estava ao seu lado enquanto conversava com a Reportagem. “Sou muito grata pelo meu trabalho. Tenho muito orgulho de ter criado as minhas filhas com o dinheiro daqui”, disse a zeladora.

Antigo

A Reportagem é recebida por Nelson Koben, o coveiro mais antigo de Santos. Há 38 anos ele trabalha no Cemitério da Filosofia, local de onde não tem previsão de sair mesmo tendo condições de se aposentar. Foi, inclusive, no Dia do Servidor Público (28) que, em uma das poucas folgas, foi ao seu local de trabalho conversar com o Diário do Litoral.

“Sou feliz trabalhando aqui. Foi com o que recebo daqui que criei os meus filhos, comprei minha casa e meu carro. Poderia ter parado de trabalhar, porque tenho tempo para aposentar, mas prefiro continuar”, disse Nelson, que tem 65 anos, dois filhos e quatro netos.

Há 38 anos ele ingressou na Prefeitura de Santos, por meio da Prodesan, como ajudante de serviços gerais e depois passou para coveiro. “No começo foi fácil. Peguei logo o serviço. É um serviço como outro qualquer, desde que respeite as pessoas aqui dentro”, destacou.

O coveiro já perdeu as contas do número de sepultamentos que realizou, mas o que os deixa emocionado são os de crianças. “O mais triste é fazer sepultamento de criança. A gente está acostumado, mas se emociona. Teve um que me marcou, que foi de um menino de 13 anos. A mãe saiu para comprar pão e o quando voltou encontrou o filho morto no sofá. Sou pai e tenho neto adolescente. Isso mexe com a gente”, afirmou Nelson.

Sobre a visitação ao cemitério, o coveiro disse que em outras épocas foi maior. “Os ‘antigos’ cuidavam mais das campas, os mais jovens não ligam muito. Tem muita gente que procura os túmulos dos ‘santos’ (mortos popularmente conhecidos por fazerem milagres). Dizem que eles fazem milagre, mas, para mim, o que faz o milagre é a fé”, disse. 

Bom humor: o menino do Filosofia

O bom humor do jovem Thiago Mota, de 27 anos, deixa o clima fúnebre dos corredores do cemitério mais ameno. Desde os 10 anos de idade ele cuida de sepulturas ao lado dos pais. Faça chuva ou sol trabalha de segunda a sábado na limpeza de jazigos. É feliz com o ofício e, por enquanto, não pretende atuar em outra área.

“Eu vinha com os meus pais. Eles limpavam e eu ajudava pegando balde de água. Antes era melhor. Tinha mais cliente. Hoje metade paga e a outra metade não. Está bem fraco o movimento. Os mais velhos têm o costume de zelar, quando passa para os filhos muitos não ligam. Não tem essa cultura”, afirmou Thiago. Uma de suas clientes conversa com ele animadamente. O esposo faleceu há cinco anos e o rapaz também o conhecia.

O jovem disse que sofreu preconceito na escola por trabalhar no cemitério e que evita falar o que faz nos momentos de lazer. “Sofri bullying na escola. Falavam que eu limpava cova e pegava em caveira. Eu não ligo. O importante é que estou ganhando meu dinheiro honestamente e tenho muito orgulho do que faço. Não gosto de falar muito porque tem gente que não entende, que é arrogante. Mas aqui acaba todas as nossas diferenças e ficamos iguais. No final vai todo mundo apodrecer no mesmo lugar”, destacou.

De açougueiro à empreiteiro do luto

Na metade da década de 1980, entre o auge e a derrocada do Plano Cruzado instalado no governo do então presidente José Sarney, o açougueiro Martinho Francisco de Matos, hoje com 51 anos, perdeu o emprego em meio à falta de carne e a forte crise econômica. Com quatro filhos para criar, o jovem foi trabalhar ao lado da sogra no Cemitério da Filosofia na limpeza de sepulturas. Tomou gosto pelo trabalho e, com o passar dos anos, tornou-se empreiteiro do setor.

“Comecei fazendo limpeza e manutenção de sepulturas, ainda faço, mas hoje sou construtor. Fiquei desempregado e tinha quatro filhos para criar. Foi na época do Sarney, aquele tempo que não tinha carne no açougue. A minha sogra já fazia limpeza dos bronzes. Fui ajudando ela e aprendendo a fazer reparo e consertos nas campas. Fui crescendo e abri uma empresa onde a família toda trabalha”, afirmou Martinho.

O empreiteiro disse que a parte triste de trabalhar com a morte é ter que lidar com a dor do outro. “Me sinto triste com muitas histórias de quem perde um ente querido. Não vou dizer que é um dinheiro prazeroso, porque ele vem de um momento triste, mas a gente faz o trabalho com muito carinho e tenta abrandar os corações dessas pessoas”, destacou.

Martinho enfrentou um câncer de fígado e, mesmo no processo de quimioterapia, nunca parou de trabalhar. Disse que lá no Filosofia fez muitos amigos. “Acaba se tornando uma família. Todo mundo se conhece. Já preparei sepulturas de famílias, de cada um que morria. É a vida”. 

Avanços na administração permitem melhorias

Carlos Alberto de Oliveira Vieira, 50 anos, é o chefe do Cemitério da Filosofia e há 26 anos trabalha no local, que é o maior da cidade. Entre as suas funções está a de coordenar a equipe que lá atua e os sepultamentos. O servidor público destacou que, nos últimos dois anos, houveram avanços que permitiram a melhoria dos serviços.

“Depois que o Bentinho assumiu (coordenador dos cemitérios de Santos) houve uma grande evolução. Os cemitérios eram engessados e agora não há uma melhor disponibilização das sepulturas. Antes, por exemplo, os corpos exumados eram colocados em sacos pretos. Agora eles são acondicionados em sacos azuis com identificação”, destacou Vieira. As vias do cemitério também ganharam placa de identificação e a área externa foi urbanizada.

Na última sexta-feira (28), o cemitério recebia os últimos preparativos para receber as mais de 18 mil pessoas que passam pelo local entre a véspera e o Dia de Finados (2).

O coordenador dos cemitérios de Santos, Bento da Silva Filho, o Bentinho, disse que tem trabalhado para desmistificar a ideia de que os três espaços – Paquetá, Filosofia e Areia Branca – são divididos de acordo com as classes sociais. Ele também reforçou o cuidado com as pessoas que trabalham nesses locais.

“Nos cemitérios existem pessoas que precisam de cuidados, a gente tem trabalhado para resgatar isso. Temos 74 funcionários atuando nos cemitérios e ninguém sabia quem era quem. Estamos tentando mudar isso e tornar esses espaços mais acolhedores”, destacou.

Sobre o mito que há de divisão de classes sociais nos três cemitérios ele destacou: “Os cemitérios são municipais. Todos têm direito a ser sepultados onde quiser, próximo do seu bairro. O que hoje tem menos vaga é o Paquetá, até por ser menor. A gente também tem feito uma campanha para motivar os donos das campas a zelar mais delas e identificar e comparecer aos cemitérios para que a gente possa ter mais vagas”.

A chácara, Maria Féa e os milagreiros

Com o aumento do número de sepultamentos, em 1892, provocados pelas grandes epidemias da época, Santos viu-se obrigada a construir outro cemitério. Batizado originalmente como Cemitério Municipal da Philozophia, o local, que fica em uma área do bairro do Saboó, foi inaugurado no dia 10 de abril daquele ano. A primeira pessoa a ser enterrada naquele espaço foi um garoto de 10 anos.

O cemitério da Filosofia foi construído, em duas etapas, em uma área de 24 mil metros quadrados onde existia uma chácara com o mesmo nome. Quase 200 mil pessoas já foram enterradas nele.

O jazigo mais visitado é o de nº 624, na quadra 6, onde estão depositados os restos mortais de Maria Mercedes Féa, vítima do famoso ‘crime da mala’, ocorrido em 1928. Ela foi assassinada pelo marido que ocultou seu corpo em uma mala e iria remeta-la à França via Porto de Santos. Milhares de pessoas creditam a ela graças alcançadas. Em sua sepultura há vestidos de noivas e objetos que remetem aos supostos milagres.

Outros jazigos muito procurados, também por supostos milagres, são o da menina Jandaia, que faleceu aos dois anos em 1939; da menina Nayla Mazzitelli de Almeida, falecida aos dois anos, em 1991; e da menina Tamires Paulino Antonio de Matos, que morreu aos cinco meses, em maio de 1993.

No Filosofia, onde cerca de 90% dos jazigos são perpétuos, também há o Mausoléu do Esportista Amador de Santos, o Mausoléu do Bombeiro e o Mausoléu dos Maçons.

Fonte: Diário do Litoral

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