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segunda-feira, 4 de abril de 2016

O desafio do desenvolvimento redistributivo e sustentável

O desafio do desenvolvimento redistributivo e sustentável. Entrevista especial com André Furtado


“Será que podemos compatibilizar a inserção da grande massa de brasileiros ainda excluídos do verdadeiro desenvolvimento com a sustentabilidade ambiental?”, questiona o economista.

Desde a segunda metade do século XX o Brasil passou por três grandes processos macroeconômicos de desenvolvimento. O primeiro foi apoiado na industrializaçãoque substituiu as importações até o final dos anos 1980, omodelo liberal globalizante na década de 1990 e a partir dos anos 2000 um modelo de valorização das commodities, que agravou a desindustrialização que havia iniciado com a abertura neoliberal. “O problema foi que o neodesenvolvimentismo se chocou com a perda de competitividade sistêmica provocada pela valorização cambial e o aumento dos custos de produção. Com isso o estímulo das políticas surtiu efeitos limitados”, analisa André Tosi Furtado, em entrevista por e-mail à IHU On-Line.

O grande desafio, propõe André, é construir uma estrutura social, política e econômica capaz de gerar um desenvolvimento redistributivo. “O desafio consiste em se industrializar competitivamente. Isso requer inovação e maiores investimentos em capital humano e material”, sustenta. “O progresso técnico nos permite atender às necessidades fundamentais da população por meio de tecnologias ambientalmente limpas. Agora, a desigualdade social alimenta modos de consumo ambientalmente insustentáveis. Por isso, há convergência entre a transformação ambiental e social”, complementa.

André Tosi Furtado concluiu o doutorado em Ciências Econômicas – Université de Paris I. Atualmente é Professor Titular do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp.

No dia 12-04-2016, às 19h30min, o professor André apresenta a conferência Desenvolvimento econômico, heterogeneidade estrutural e distribuição de renda no Brasil no pensamento de Celso Furtado, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros no IHU – Campus São Leopoldo/RS. O evento integra a programação do Ciclo de Debates Economia brasileira: onde estamos e para onde vamos? Um debate com os intérpretes do Brasil.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual a atualidade do pensamento e da obra de Celso Furtado [1] para o desenvolvimento do Brasil?

André Tosi Furtado – Celso Furtado tem um papel de destaque entre os grandes intelectuais que pensaram o Brasil. A atualidade do seu pensamento permanece porque os grandes problemas que ele levantou sobre o desenvolvimento, ou melhor, subdesenvolvimento brasileiroainda continuam presentes. Esses problemas derivam da tendência do crescimento econômico perpetuar e até mesmo ampliar a desigualdade social. Esse tipo de dinâmica é muito semelhante à que Thomas Piketty [2] descreveu em seu livro sobre o capital no século XXI. Portanto, a obra de Celso Furtado permanece atual porque a tendência presente da acumulação é justamente acentuar a desigualdade social.

IHU On-Line – Quais foram os grandes modelos econômicos e macroeconômicos de desenvolvimento implantados no Brasil desde meados do século XX?

André Tosi Furtado – Houve basicamente dois modelos econômicos que vigoraram desde o pós-guerra. O primeiro, apoiado na industrialização por substituição de importações, vigorou até o final dos anos 1980. Esse modelo comportava um forte protecionismo à produção industrial e uma taxa de inflação alta. Em função da acentuadacrise econômica dos anos 1980, esse modelo foi substituído por um outro liberalizante e de maior abertura externa, que acompanhou, de certa forma, a tendência mundial da globalização. Esse novo modelo reduziu a inflação, mas levou a uma crescente desindustrialização. Nos anos 2000, volta-se a uma maior intervenção do Estado na economia, a valorização das commodities agrava as tendências desindustrializantes já presentes durante a etapa anterior.

IHU On-Line – Como o senhor avalia os projetos neodesenvolvimentistas baseados na extração de commodities, como o petróleo, por exemplo? Há algo de novo nesse modelo de desenvolvimento?

André Tosi Furtado – O desenvolvimentismo no Brasil esteve comprometido com o projeto de industrialização do país. O neodesenvolvimentismo consiste em uma tentativa de retomar a agenda da industrialização nos anos 2000 após o período neoliberal dos anos 1990. Esse período se caracteriza pela valorização das commodities que se tornam o carro-chefe das exportações e também das atividades econômicas do país, como é o caso do petróleo. Em decorrência do sucesso produtivo acumulado pela Petrobras desde os anos 1990 até o final dos anos 2000, e da valorização das commodities, a participação do petróleo no Produto Interno Bruto – PIB cresceu substancialmente. O neodesenvolvimentismo buscou transformar esse impulso em desenvolvimento da indústria parapetroleira (fornecedores de equipamentos e prestadores de serviços) brasileira. O problema foi que o neodesenvolvimentismo se chocou com a perda de competitividade sistêmica provocada pela valorização cambial e o aumento dos custos de produção. Com isso o estímulo das políticas surtiu efeitos limitados.

“O problema foi que o neodesenvolvimentismo se chocou com a perda de competitividade sistêmica”

IHU On-Line – De que maneira as políticas econômicas implementadas no Brasil nos últimos 50 anos radicalizaram ainda mais a desigualdade social no país?

André Tosi Furtado – A desigualdade social está presente em todos esses modelos macroeconômicos e perpassa a história brasileira contemporânea. Ela se agrava na forma de desigualdade regional nos anos 1950 durante a industrialização acelerada do país. Depois ela se acentua dramaticamente durante o período do golpe militar e do milagre econômico. Ela volta a assombrar o país com a crise dos anos 1980 e durante a década neoliberal, quando aumenta dramaticamente o desemprego e o volume de emprego informal. Somente nos anos 2000 ocorre uma importante inflexão no processo de perpetuação e aprofundamento da desigualdade no Brasil. Estou certo de que muitos estudiosos irão se questionar no futuro sobre as verdadeiras causas dessa melhora na distribuição de rendano país. Eu a atribuo, sobretudo, aos efeitos benéficos que a melhora dos termos de troca das commodities trouxe para a renda e no emprego. O problema foi que essa melhora da renda se reverteu para o consumo e não para o investimento, e que a oferta interna não foi capaz de cobrir a expansão da demanda interna.

IHU On-Line – Como pensar uma estrutura política e econômica no Brasil que não sirva a modelos concentradores de renda?

André Tosi Furtado – Esse é o grande desafio, criar uma estrutura sociopolítica e econômica capaz de propiciar um desenvolvimento redistributivo. Durante a prosperidade fordista do pós-guerra, o Brasil aprofundou um modelo de desenvolvimento intrinsicamente concentrador. As disparidades de renda entre ricos e pobres se acentuaram no período do milagre econômico. O progresso técnico, ao ter um viés para o trabalho qualificado, acentuou o fosso salarial entre trabalhadores qualificados e não qualificados.

A parcela da renda apropriada pelo capital sempre foi bem alta. Porém a destinação do excedente para a acumulação era bem fraca e o país se tornou muito dependente do endividamento externo para a acumulação. Mudar o modelo de desenvolvimento implica em criar um novo modelo de acumulação e em uma nova trajetória tecnológica. Essa mudança é possível desde que a sociedade faça as escolhas certas na seleção de mecanismos sustentáveis. O aumento do nível educacional da população brasileira irá a longo prazo diminuir o impacto concentrador do progresso técnico. Para isso é necessário que por meio do Estado a sociedade gere os bens públicos necessários ao seu bem-estar. Também é necessário manter um nível de acumulação elevado para gerar emprego formal.

IHU On-Line – Quais os desafios de se construir um modelo de desenvolvimento industrial baseado em matrizes heterogêneas de desenvolvimento econômico?

André Tosi Furtado – A indústria segue sendo, no atual estágio brasileiro, muito necessária para o desenvolvimento do país. Porém vivenciamos desde os anos 1990 uma desindustrialização precoce provocada pela abertura econômica e a valorização cambial. Essa desindustrialização está certamente por trás das baixas taxas de crescimento da economia brasileira. A diferença da industrialização atual com a que ocorreu a partir dos anos 30 do século passado, é que agora ela deve ocorrer competitivamente, já que as economias estão cada vez mais abertas. E o que tem faltado à indústria brasileira é competitividade de seus produtos frente aos importados. Portanto, o desafio consiste em se industrializar competitivamente. Isso requer inovação e maiores investimentos em capital humano e material.

IHU On-Line – Como a perspectiva econômica de Celso Furtado oferece alternativas aos desafios da desigualdade em nível nacional?

André Tosi Furtado – Celso Furtado diagnosticou que o capitalismo brasileiro tendia a gerar desigualdade social e regional. A única forma de corrigir essas tendências seria por meio da intervenção do Estado, que poderia assumir uma função redistributiva e poderia direcionar a acumulação para bens e serviços de maior utilidade pública. Convinha também ao Estado dinamizar a economia, a qual apenas por meio dos mecanismos de mercado tendia a um crescimento econômico débil.

IHU On-Line – É possível aliar crescimento econômico e combate às desigualdades sociais com um projeto de desenvolvimento que seja sustentável do ponto de vista ambiental?

André Tosi Furtado – Essa é uma importante questão. Será que podemos compatibilizar a inserção da grande massa de brasileiros ainda excluídos do verdadeiro desenvolvimento com a sustentabilidade ambiental? Eu tenho a convicção que sim. Muito da depredação ambiental somente se justifica porque há pobreza. É possível que o Estado fiscalize e controle muito mais o patrimônio natural, impedindo que ele seja delapidado. Por outro lado, o progresso técnico nos permite atender às necessidades fundamentais da população por meio de tecnologias ambientalmente limpas. Agora, a desigualdade social alimenta modos de consumo ambientalmente insustentáveis. Por isso, há convergência entre a transformação ambiental e social.

“Agora, a desigualdade social alimenta modos de consumo ambientalmente insustentáveis”

IHU On-Line – Como inovar em termos econômicos e políticos em um cenário de austeridade?

André Tosi Furtado – Nunca deveríamos sair de um cenário de austeridade. Somos ainda um país pobre. Ainda precisamos passar por um período de intensa acumulação no qual deverá ser construída a infraestrutura socioeconômica do país. Acho que depois de acabar “o sonho de uma noite de verão” dos preços altos das commodities, o país precisa acordar para arrumar efetivamente a casa. O problema é que em períodos de escassez como os que estamos atravessando existe o risco do agravamento das tendências conservadoras, com ameaças de retrocesso do ponto vista dos avanços sociais obtidos. Vai demorar um certo tempo ainda para que se perceba que a sociedade brasileira precisa avançar na alteração de seu modelo de desenvolvimento.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

André Tosi Furtado – Sim, gostaria de dizer que há algo novo na sociedade brasileira que surgiu a partir dasmanifestações ocorridas em 2013. No clamor ainda confuso das ruas, propôs-se, no meu entender, uma alteração do modelo de desenvolvimento do país. O modelo de consumo apoiado no automóvel que se expandiu descontroladamente nos anos 2000 sob o impulso da prosperidade das commodities revelou-se insustentável socioambientalmente. Clamou-se para uma reformulação do sistema urbano que priorizasse o transporte coletivo e o uso racional e social do espaço, assim como para que o Estado melhore a prestação de serviços públicos tais como a educação e a saúde. Essas manifestações revelam que há uma demanda de importantes segmentos da sociedade brasileira, principalmente os mais jovens, para alterar a trajetória de desenvolvimento dominante e torná-la social, ambiental e economicamente sustentável.

Por Ricardo Machado

Notas:

[1] Celso Furtado (1920-2004): economista brasileiro, membro do corpo permanente de economistas da ONU. Foi diretor do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste e membro da Academia Brasileira de Letras. Algumas de suas obras são A economia brasileira (1954) e Formação econômica do Brasil (1959). Confira a edição 155 da IHU On-Line que aborda a obra de Furtado. (Nota da IHU On-Line)

[2] Thomas Piketty (1971): economista francês, concentra seus estudos no acúmulo e desigualdade de renda. É diretor de pesquisas da École des hautes études en sciences sociales (EHESS) e professor da Escola de Economia de Paris. Seu livro best-seller, O Capital no Século XXI, enfatiza as questões do acúmulo de renda nos últimos 250 anos e argumenta que o acúmulo de capital cresce mais rápido que a economia, o que gera desigualdade. A edição 449 da IHU On-Line, intitulada A desigualdade no século XXI. A desconstrução do mito da meritocracia, inspira-se na obra O Capital no Século XXI e foi publicada meses antes de a obra ser publicada traduzida no Brasil.

Fonte: EcoDebate

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