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quarta-feira, 29 de abril de 2015

A agenda da riqueza sustentável

“Uma certeza afronta todas as incertezas: não há mais espaço para a segurança alimentar, a sustentabilidade e o desenvolvimento trilharem caminhos opostos. Sobretudo, não há um atalho mais curto para ligá-los do que uma coordenação internacional renovada.”


Invariavelmente, uma mudança de época envolve dinâmicas em conflito em que pendências estruturais cobram definições do tempo que pede para nascer.

As linhas dessa encruzilhada são acentuadas hoje pela convalescença de uma crise global que se arrasta pelo sétimo ano sem conseguir pautar a nova agenda de crescimento das nações.

Nesse entrelaçamento acumulam-se energias que podem mover a história.

Uma certeza afronta todas as incertezas: não há mais espaço para a segurança alimentar, a sustentabilidade e o desenvolvimento trilharem caminhos opostos. Sobretudo, não há um atalho mais curto para ligá-los do que uma coordenação internacional renovada.

De um lado estão as demandas irreprimíveis trazidas do século 20 e até antes dele. Seu núcleo duro é a desigualdade. Ela circunscreve um terço da humanidade, cerca de 2,5 bilhões de pessoas, à panela de pressão dos que subsistem com até US$ 2 por dia, sendo 800 milhões reféns da fome.

Essa multidão não cessará de buscar seu espaço no mercado e na cidadania, que nos cabe materializar. A inclusão é a tarefa incontornável do século 21.

De outro lado, erguem-se desafios ambientais que impõem a busca de modelos de produção que poupem e racionalizem o uso dos recursos que formam as bases da vida na terra.

A nova condicionalidade cobra investimentos em inovação e logística associados a novas formas de viver e de produzir.

O Desenvolvimento Sustentável surge como ponte capaz de unir inclusão social, respeito ao limites ambientais do planeta e crescimento econômico. Ela ainda carece, no entanto, de pilares capazes de sustentar lógicas aparentemente antagônicas.

O que se espera da Conferência de Paris sobre Mudança do Clima, a CoP21 da UNFCCC (21ª Sessão da Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima) que acontece em dezembro, na França, é que ela consolide um impulso nessa direção.

Seu papel é definir as balizas mais gerais das próximas décadas, por meio de um rateio global de Emissões de CO2, que limite o aquecimento do planeta a dois graus Celsius até 2050, sob risco de lançar a humanidade em um labirinto de eventos extremos, de mitigação improvável e custos explosivos.

A agricultura é um pedaço ilustrativo dessa equação. Responde por cerca de um quarto das Emissões de gases-estufa no mundo. Ao mesmo tempo, a mudança do Clima afeta a produtividade e a geografia da produção de alimentos, ademais de se constituir em fator adicional de desigualdade: quanto maior a vulnerabilidade do país ou da família, maior a dificuldade de adaptação.

Sem ilusões: a agricultura sozinha não vai compensar a emissão de gases de efeito-estufa pela queima de combustíveis fósseis. Mas ela pode incorporar tecnologia e manejo que conciliem a produção de alimentos com a redução de emissão de gases de efeito estufa.

Essa singularidade não é negligenciável e abre um vasto horizonte de ação imediata. Cerca de 30% das terras utilizáveis no planeta encontram-se degradadas. A recuperação desses espaços com manejo agroecológico teria impacto ambiental expressivo, ademais de ampliar a oferta de alimentos.

Se esse mutirão for associado a um programa de incentivo à agricultura familiar, baseado em agroecologia e Manejo Florestal sustentável, o círculo virtuoso ganharia um poderoso anel de inclusão social.

A sorte desse conjunto pode mudar o ambiente do futuro.

Uma nova revolução verde, migrando do uso intensivo de insumos químicos e de tecnologia pesada que marcou o bem sucedido salto produtivo no pós-guerra, para práticas ambientalmente sustentáveis, será uma das parteiras do novo ciclo que a humanidade está desafiada a construir.

Num mundo com mais da metade da população vivendo em cidades, e que terá nove milhões de bocas a alimentar em 2050 – essa tarefa não pode ser confundida com uma volta idílica ao universo pastoril.

A sofisticação tecnológica e as novas fronteiras científicas formam o passaporte de uma travessia que já reúne evidências de escala e eficácia na agricultura.

O plantio direto é um exemplo que dispensa o arado profundo nos solos tropicais e reduz o impacto da mecanização. O controle biológico de pragas e doenças comprovou-se uma alternativa eficaz ao defensivo químico.

Bactérias Rhizobium inoculam em sementes a capacidade de sintetizar o nitrogênio do ar, dispensando o insumo químico.

Biotecnologias, que certamente não se resumem a organismos geneticamente modificados, podem elevar a produtividade, a adaptabilidade e a resistência a pragas.

O monitoramento à distância revoluciona a assistência técnica.

Técnicas de micro-irrigação aumentam a produtividade reduzindo o uso da água, cada vez mais escassa em diferentes latitudes do planeta.

São apenas alguns exemplos de uma adaptação cuja marcha está em curso, mas terá que ser acelerada para atender às demandas da sociedade sob a pressão da mudança climática.

O custo dessa adaptação não pode recair exclusivamente sobre os ombros dos mais vulneráveis – produtores e consumidores pobres. Trata-se de um investimento da humanidade no futuro de sua segurança alimentar. E como tal tem que ser compartilhado.

A cooperação internacional será decisiva para um salto na pesquisa. Nem todos os países têm condições de arcar com custos de adaptação e desenvolvimento de variedades mais resistentes à seca, para citar um desafio premente. Quem tem, caso do Brasil com a Embrapa, por exemplo, deve compartilhar suas descobertas com nações mais pobres.

Não só. A instabilidade climática exigirá sistemas de comunicação de ampla capilaridade interativa, bem como estatísticas ágeis, redes compartilhadas de armazenagem e estoques de água, ademais de alertas meteorológicos de máxima antecipação e detalhamento. São, por assim dizer, os novos bens públicos que emergem em um horizonte de oscilações climáticas cada vez mais frequentes, intensas e abruptas.

Uma certeza afronta todas as incertezas: não há mais espaço para a segurança alimentar, a sustentabilidade e o desenvolvimento trilharem caminhos opostos. Mas sobretudo, não há um atalho mais curto para interliga-los do que o resgate de uma coordenação internacional renovada, que permita sacudir o sono do século 21 com um despertador de três ponteiros articulados: o ambiental, o social e o do desenvolvimento.

* José Graziano da Silva é diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO). 

Fonte: Envolverde

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