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quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

TTIP, tirem as mãos da comida! artigo de Esther Vivas

Uma ameaça paira sobre as políticas agroalimentares na Europa. Trata-se do Tratado de Livre Comércio entre os Estados Unidos e a União Europeia, mais conhecido como TTIP, a sua sigla em inglês, a longa sombra do agronegócio que se estende do campo ao prato. Como vampiros em busca de sangue, as multinacionais do setor esperam lucrar, e muito, com estas novas medidas de liberalização comercial.


Mas o que é o TTIP? Trata-se de um tratado negociado em segredo durante meses, escondido do público, pendente de aprovação pelo Parlamento Europeu, com uma campanha de marketing em marcha, e que tem como objetivo final igualar em baixa as legislações de ambos os lados do Atlântico em benefício único das grandes empresas. As suas consequências: mais desemprego, mais privatizações, menos direitos sociais e ambientais. Em resumo, servir numa bandeja os nossos direitos ao capital.

E, em matéria agrícola e alimentar? As empresas do setor, desde as companhias de sementes passando pela indústria biotecnológica, de bebidas, pecuária, alimentar, de rações… são as que mais têm pressionado a seu favor, à frente inclusive do lóbi farmacêutico, automobilístico e financeiro. Está muito em jogo para multinacionais como Nestlé, Monsanto, Kraft Foods, Coca Cola, Unilever, Bacardi-Martine, Cargill, entre outras. Dos 560 encontros consultivos da Comissão Europeia para a aprovação deste Tratado, 92% realizaram-se com grupos empresariais, 26% com instituições de interesse público. Como indica um relatório do Corporate European Observatory: “Por cada reunião com um sindicato ou um grupo de consumidores, houve 20 com empresas e federações industriais”.

Se o Tratado de Livre Comércio entre os Estados Unidos e a União Europeia for aprovado, que impacto terá na nossa mesa?

Mais transgênicos

A entrada massiva de transgênicos na Europa será uma realidade. Apesar de hoje já importarmos um número considerável de alimentos transgênicos, em particular rações para o gado e muitos produtos transformados que contêm derivados de soja e milho transgênico, como lecitina, óleo e farinha de soja, xarope e farinha de milho, a aprovação do TTIP significará um aumento dessas importações, especialmente das primeiras, e inclusive a entrada de transgênicos que na atualidade não são autorizados pela União.

Há que ter em conta que a legislação norte-americana é muito mais permissiva que a europeia tanto no cultivo como na comercialização de Organismos Geneticamente Modificados. Nos Estados Unidos, por exemplo, a rotulagem que identifica um alimento como transgênico é inexistente, ao contrário da Europa, onde apesar das limitações, as leis obrigam teoricamente a essa identificação. Além disso, na União apenas se cultiva um único alimento transgênico com fins comerciais: o milho MON 810 da Monsanto, apesar do impacto negativo no meio ambiente que este tem com a contaminação de outros campos de milho, tanto convencional como ecológico. Ainda que 80% de sua produção seja levada a cabo em Aragão e na Catalunha, a maior parte dos países europeus vetam-no. Nos Estados Unidos, pelo contrário, o número de culturas é muito mais alto. De aqui que a Europa seja um pedaço apetecido para multinacionais como Monsanto, Syngenta, Bayer, Dupont… e o TTIP pode tornar isso numa realidade.

Porco, vaca e leite com hormônios

O veto à carne e aos produtos derivados de animais tratados com hormônios e promotores de crescimento, até ao momento proibidos na Europa, será levantado, assim como o uso aqui dessas substâncias, com o consequente impacto na nossa saúde.

Nos Estados Unidos, os porcos e o gado bovino podem ser medicados com ratopamina, um fármaco usado como aditivo alimentar para conseguir uma maior engorda do animal, e maior lucro econômico para a indústria pecuária. Na União, a utilização deste produto e a importação de animais tratados com o mesmo está proibida, tal como em outros 156 países como China, Rússia, Índia, Turquia, Egito, ao se considerar que não há dados suficientes que permitam descartar riscos para a saúde humana. Noutros 26 países, como Estados Unidos, Austrália, Brasil, Canadá, Indonésia, México, Filipinas, pelo contrário ele é utilizado.

O mesmo vai acontecer com o uso do hormônio somatotropina bovina empregada, principalmente, em vacas leiteiras para aumentar a sua produtividade, e conseguir entre 10% e 20% mais leite. No entanto, vários são os efeitos secundários associados à sua utilização em animais (esterilidade, inflamação dos úberes, aumento do hormônio do crescimento…) e o seu impacto nos humanos (alguns estudos ligam-no a um incremento do risco de cancro da mama ou da próstata e ao crescimento das células cancerosas). Por isso, a União Europeia, o Canadá e outros países proibiram o seu uso e a importação de alimentos de animais tratados com ela. Mesmo assim, outros países, principalmente os Estados Unidos, utilizam-na. O que é certo é que a empresa norte-americana Monsanto, a número um das sementes transgênicas, é a única do mercado que comercializa esse hormônio, com o nome comercial de Posilac. Que coincidência.

Frangos clorados

A carne de frango “desinfetada” com cloro chegará também à nossa mesa. Se na Europa se utiliza um método de controlo de doenças das aves, desde a cria passando pelo seu desenvolvimento e sacrifício até à sua comercialização, com caráter preventivo, nos Estados Unidos optaram por otimizar custos baixando os padrões de segurança alimentar. Deste modo, as aves criadas e sacrificadas são desinfetadas unicamente no final da cadeia, submergindo-as numa solução química antimicrobiana geralmente à base de cloro ou, o que é o mesmo, dando-lhes simplesmente “um banho de cloro”. Assim os frangos ficam “limpos”, sem bactérias, bem branqueados, e o seu tratamento sai muito mais barato. Uma vez mais, tudo pelo dinheiro.

Mas que consequências pode ter isto para a nossa saúde? Na União, desde 1997, proíbe-se a entrada de carne de aves de capoeira dos Estados Unidos, devido a esses tratamentos e aos resíduos de cloro ou outras substâncias químicas empregadas para a sua desinfecção que podem persistir na carne que depois consumimos. Além disso, a indústria pecuária norte-americana afirma que estes tratamentos permitem eliminar os microrganismos patogênicos, no entanto as infecções não diminuem significativamente e inclusive o uso continuado de desinfetantes pode acabar por provocar resistências.

Dizem-nos que os padrões de segurança alimentar norte-americanos são dos mais seguros. Não apontam na mesma direção alguns relatórios que constatam que uma em cada quatro pessoas, 76 milhões, por ano nos Estados Unidos adoecem com doenças provocadas pelo consumo de alimentos. Destas, 325 mil são hospitalizadas e 5 mil morrem. Os peritos assinalam que a maioria dos casos poderia ser evitado com melhorias no sistema de controlo alimentar. Tirem as vossas conclusões.

Já vai sendo hora de dizermos ao TTIP: tirem as vossas mãos sujas da comida!

*Artigo publicado em Publico.es, 31/12/2014. Tradução de Carlos Santos para Esquerda.net.

**Esther Vivas, Colaboradora Internacional do Portal EcoDebate, é ativista e pesquisadora em movimentos sociais e políticas agrícolas e alimentares, autora de vários livros, entre os quais “Planeta Indignado”. Esther Vivas é licenciada em jornalismo e mestre em Sociologia. Seus principais campos de pesquisa passam por analisar as alternativas apresentadas por movimentos sociais (globalização, fóruns sociais, revolta), os impactos da agricultura industrial e as alternativas que surgem a partir da soberania alimentar e do consumo crítico.


Fonte: EcoDebate

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