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quarta-feira, 6 de agosto de 2014

O modelo ‘Extrai-Produz-Descarta’ e a insustentabilidade dos ODS, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

O desenvolvimento econômico, em seus primeiros 200 anos, desde que James Watt aperfeiçoou a máquina a vapor (em 1768), trouxe diversos ganhos de qualidade de vida da população mundial. A despeito das desigualdades, houve aumento do padrão de consumo, grande elevação da esperança de vida ao nascer, melhora nos padrões de moradia, avanços educacionais sem precedentes, etc.


Mas o progresso humano trouxe consigo o regresso ambiental. Durante as décadas de 1960 e 1970 cresceram as críticas ao processo de desenvolvimento econômico, ao aumento da desigualdade social e aos efeitos nefastos das atividades antrópicas sobre o meio ambiente e sobre a biodiversidade. Também ampliou-se a consciência de que o crescimento econômico estava seguindo um ritmo e um rumo insustentável.

Celso Furtado, por exemplo, escreveu o livro “O mito do desenvolvimento econômico”, em 1974, onde considerava que o padrão de desenvolvimento afluente não seria generalizável para a maioria da população mundial. Diz ele: “(…) que acontecerá se o desenvolvimento econômico, para o qual estão sendo mobilizados todos os povos da terra, chegar efetivamente a concretizar-se, isto é, se as atuais formas de vida dos povos ricos chegam efetivamente a universalizar-se? A resposta a essa pergunta é clara, sem ambiguidades: se tal acontecesse, a pressão sobre os recursos não renováveis e a poluição do meio ambiente seriam de tal ordem (ou alternativamente, o custo do controle da poluição seria tão elevado) que o sistema econômico mundial entraria necessariamente em colapso (1974, p. 19).

Para contornar as críticas à insustentabilidade ambiental do desenvolvimento capitalista, a ONU buscou uma fórmula mágica para “dourar a pílula” do crescimento econômico. O resultado foi o surgimento do conceito de desenvolvimento sustentável, apresentado oficialmente pelo relatório Brundtland, de 1987: “O desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”.

Desde então, o adjetivo sustentável grudou de maneira indissociável ao substantivo desenvolvimento. O dístico “desenvolvimento sustentável” virou uma fórmula mágica que serve para todas as justificativas, mas ninguém sabe bem o que é e como funciona. Segundo Clóvis Cavalcanti (2012): “A noção de sustentabilidade dá a impressão de se ter convertido numa espécie de mantra da atualidade. É repetida quase à exaustão em todo tipo de discurso relacionado com desenvolvimento (e crescimento) econômico” (p. 35).

Criticando a falta de perspectiva ecocêntrica, Alves (2012) diz: “Se o conceito de desenvolvimento sustentável foi um avanço no sentido de se preocupar com as futuras gerações humanas, não chegou a formular alternativas para a preservação das outras espécies e a conservação do Planeta. Por isto se diz que o desenvolvimento sustentável é um antropocentrismo intergeracional. Isto ficou claro quando a Cúpula do Rio (1992) aprovou a concepção antropocêntrica: ‘Os seres humanos estão no centro das preocupações para o desenvolvimento sustentável’”. Assim, o conceito de desenvolvimento sustentável tem se tornado, na realidade, uma expressão inócua ou simplesmente um oximoro.

Mas a ONU, seguindo as propostas da Rio+20, insiste em ampliar a ilusão do desenvolvimento sustentável. Na décima terceira sessão da Assembleia Geral, realizada em 19 de julho em Nova Iorque, um grupo de trabalho aberto sobre os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) propôs 17 objetivos e 169 metas que devem nortear a agenda internacional entre 2015 e 2030. Tal agenda deve ser aprovada em definitivo pelos líderes mundiais em setembro de 2015.

Os objetivos dos ODS abarcam, dentre outras, as seguintes dimensões: erradicar a pobreza e a fome, alcançar saúde para todos, fornecer educação equitativa, atingir a igualdade de gênero, reduzir as desigualdades dentro dos países e entre eles, construir cidades e assentamentos humanos inclusivos, seguros e sustentáveis, etc.

Embora a meta 12, fale em “Promover padrões de produção e consumo sustentáveis” o documento Rascunho Zero não explica como atingir os tais “padrões de produção e consumo” amigáveis ao meio ambiente. A despeito das muitas propostas bem-intencionadas, na prática, o documento ignora que o conjunto da produção econômica do mundo é muito danosa ao meio ambiente e que é impossível manter o crescimento econômico concomitante à saúde ecológica do Planeta.

Como mostrou Clóvis Cavalcanti (2012), a economia, em suas dimensões físicas, é feita de coisas, material e energia fornecida pela natureza, o que gera permanentemente “estruturas dissipativas”. O sistema produtivo (throughput ou transumo) gera um fluxo metabólico do ambiente que leva à entropia. O autor explica como funciona o modelo “Extrai-Produz-Descarta”: “Pela Figura 1 pode-se ver que o que a economia moderna faz, na verdade, em última análise, é cavar um buraco eterno que não para de aumentar (extração de matéria e energia de baixa entropia). Cumprido o processo do transumo, os recursos terão virado inevitavelmente dejetos – matéria neutra, detritos, poeira, cinzas, sucata, energia dissipada – que não servem para quase absolutamente nada (matéria e energia de alta entropia). Amontoam-se formando um lixão, também eterno, que não para de crescer. Assim, a extração de recursos e a deposição de lixo deixam como legado uma pegada ecológica cada vez maior” (p. 40).

Desta forma, enquanto permanecer o modelo de crescimento econômico baseado no “Extrai-Produz-Descarta” não poderá haver desenvolvimento sustentável e os ODS, com todas as suas boas intenções, não deixará de ser uma miragem.

Por exemplo, falar em “industrialização sustentável” e defender o crescimento econômico de 7% ao ano nos países mais pobres é repetir uma experiência que já se mostrou prejudicial à natureza e à biodiversidade. Seria melhor os ODS terem proposto a desmilitarização dos países e a redução dos gastos militares e da máquina de guerra que desperdiça cerca de US$ 1,6 trilhão no mundo todos os anos. O mundo deveria seguir o caminho da Costa Rica que acabou com suas forças armadas.

Tem aumentado os conflitos nacionais, regionais e religiosos, além da elevação do grau de vulnerabilidade financeira (a Argentina é apenas um exemplo recorrente). As condições econômicas e ambientais do globo estão atingindo um ponto crítico. As dívidas monetária e ecológicas devem exigir uma prestação de contas nos próximos anos. Tudo indica que o período 2015-2030 será de menor crescimento econômico e de maior instabilidade social do que o período 2000-2015. Há previsão de estagnação secular da economia internacional e o fim do alto crescimento dos países emergentes (ALVES, 2014).

Os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM) foram uma proposta reducionista em relação ao resultado das Conferências Sociais da ONU, dos anos de 1990 e, exatamente por isto, foram muito criticados pelas forças progressistas. Os ODMs – devido às suas metas modestas em uma conjuntura favorável – conseguiram atingir, mesmo que em parte, aquilo que foi proposto na Cúpula do Milênio de 2000.

Já os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a despeito de diversas lacunas, possuem metas mais ambiciosas e propostas avançadas em termos sociais. Mas podem fracassar em função de uma conjuntura econômica desfavorável e por não colocar em xeque o modelo “Extrai-Produz-Descarta”. Sem alterar o egoísmo humano e a estrutura de poder, de propriedade e de produção será impossível manter de maneira sustentável qualquer processo de utilização da natureza e de convivência com a biodiversidade.

Do ponto de vista ambiental, o que o mundo precisa é de um questionamento radical do atual modelo de desenvolvimento consumista e suas externalidades negativas (“fluxo metabólico entrópico”). Os ODS podem fracassar por não irem à raiz dos problemas atuais. A ampliação da cidadania e a redução das desigualdades sociais só serão alcançadas, de fato, se houver decrescimento das atividades antrópicas e sustentabilidade ecocêntrica.

Referências:

UN. Zero Draft. Open Working Group on Sustainable Development Goals, 19/07/2014

http://sustainabledevelopment.un.org/focussdgs.html

FURTADO, C. O mito do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1974

CAVALCANTI, Clóvis. Sustentabilidade: mantra ou escolha moral? Uma abordagem ecológico-econômica. SP, Estudos avançados 26 (74), 2012 http://www.scielo.br/pdf/ea/v26n74/a04v26n74.pdf

ALVES, JED; CORREA, S. As metas de Desenvolvimento do Milênio (ODM): Grandes limites e oportunidades estreitas. Rio de Janeiro, APARTE, IE/UFRJ, 29/12/2004

http://www.ie.ufrj.br/aparte/pdfs/asmdms_28dez04.pdf

ALVES , J. E. D. População, desenvolvimento e sustentabilidade: perspectivas para a CIPD pós-2014. R. bras. Est.Pop., Rio de Janeiro, v. 31, n.1, p. 219-230, jan./jun. 2014

http://www.rebep.org.br/index.php/revista/article/view/651/pdf_618



José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

Fonte: EcoDebate

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