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terça-feira, 29 de abril de 2014

Jeitinho, artigo de Montserrat Martins


A divisão entre América espanhola e portuguesa não foi definida por tratados e sim pelos territórios dominados pelos tupis, que foram seguidos pelos portugueses, e pelos guaranis, onde se infiltraram os espanhóis. E o “jeitinho” brasileiro foi inventado pela família Sá, mediando as relações da Coroa portuguesa formalmente representada em Salvador, enquanto São Paulo na sua origem bandeirante tinha pecha de rebelde. Observações interessantes de “1565: enquanto o Brasil nascia”, do jornalista Pedro Doria, livro imperdível para os mais curiosos por nossas raízes.


O “jeitinho” ultimamente tão criticado, como se fosse uma falha em nosso caráter, tem sua origem numa qualidade que ajudou a moldar o país, a flexibilidade entre dois extremos. O norte da colônia há cinco séculos, de Salvador para cima, nascia à imagem de Lisboa e concentrava a riqueza da época. O sul, com seus bandeirantes paulistas, era rebelde e visto com desconfiança pela metrópole. O papel da família Sá foi de intermediar essa dicotomia, pois os Sá eram capazes tanto de frequentar as festas da Corte, quanto de se embrenhar no mato junto com os bandeirantes. Sua versatilidade, sua capacidade de ser flexível e vivenciar situações opostas, moldou o jeito de ser do Rio de Janeiro que surgia em 1565 e vem influenciando, séculos afora, nossa própria identidade nacional.

Ser brasileiro não é ser tão dedicado ao trabalho quanto japoneses ou alemães costumam ser, por exemplo, mas em contrapartida também não é ser tão rígido em seus padrões comportamentais quanto é habitual nestes países, cujas culturas tem alguns traços que poderiam ser descritos como obsessivos. Não é verdade, por outro lado, que somos um povo indolente como a ótica europeia nos quer fazer crer: no geral o trabalhador brasileiro tem uma carga horária extensa, ganhando pouco, e o país vem evoluindo economicamente há décadas, mais outros países sul-americanos.

Dos períodos de ufanismo propagandeado oficialmente (como a ditadura nos anos 70, do “Brasil: ame-o ou deixe-o”), ao momento atual de auto-desvalia democrática, o caráter nacional tem sido interpretado das mais diversas maneiras. Já nos vimos como um povo tolerante que seria relativamente menos racista que europeus ou norte-americanos, já nos vimos como um povo alegre e talentoso com nossos esportistas e artistas, já nos vimos como flexíveis e espertos graças ao nosso “jeitinho”. Hoje nos vemos como corruptos e maus eleitores, colocando no poder políticos da pior espécie, nos sentimos sem esperanças de evolução por ser essa nossa marca cultural, nossa identidade: o “jeitinho brasileiro”. Há uma apropriação histórica do que chamamos de “jeitinho”, que o interpreta hoje como corrupção, malandragem, falta de seriedade; porém o que esse traço carrega como flexibilidade, adaptabilidade, guardados limites éticos, pode ser considerado virtude.

É bom lembrar das qualidades – e não só dos possíveis defeitos – que vem juntos com essa maleabilidade, com essa capacidade de se adaptar ao contexto. Enquanto a América espanhola se esfacelou em múltiplos países rivais, sobrevivemos unidos num mesmo país mesmo com povos tão diversos num mesmo território. Os portugueses se miscigenaram sempre, mais flexíveis que os povos “puros”, e isso tem a ver com o nosso “jeitinho”, mesmo com todas suas distorções, um dos mais ricos em diversidade do mundo.

Montserrat Martins, Colunista do Portal EcoDebate, é Psiquiatra.

Fonte: EcoDebate

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