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segunda-feira, 28 de abril de 2014

As Olim-piadas do Pinicão da Guanabara, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

Este artigo pode ser visto como uma piada, como uma análise crítica ou simplesmente como uma constatação de fatos. A Olimpíada do Rio está se tornando uma Olim-piada, enquanto a poluição tem transformando a bacia hidrográfica da Baia da Guanabara em um grande pinicão que recebe sem tratamento os dejetos do povo carioca e fluminense.

O ritmo das obras programadas está variando entre comédia e drama. Os trabalhadores das grandes ben(mal)feitorias para as Olimpíadas do Rio 2016, como a Linha 4 sul do metrô, Transolímpica, Transcarioca, Porto Maravilha e recuperação do Estádio João Havelange, o Engenhão, entre outras, entraram em greve dia 07 de abril de 2014. Os trabalhos no entorno do Maracanã e em obras que constam da Matriz de Responsabilidades da Copa do Mundo também foram paralisados. O parque olímpico ainda é uma miragem e mais preocupante é a situação do Complexo de Deodoro. Enquanto a prefeitura tenta fortalecer o processo de gentrificação da cidade, os trabalhadores que moram nas periferias exigem melhores condições de trabalho durante as obras para o megaevento esportivo de 2016.

Ainda falta mais de dois anos para o início das Olimpíadas, mas diante das ameaças que os atrasos nas obras já representam, o Comitê Olímpico Internacional (COI) anunciou dia 10 de abril de 2014 uma “intervenção” na prefeitura, assumindo uma parte significativa do comando das obras. Em uma entrevista coletiva concedida na Turquia, o presidente do COI, Thomas Bach, revelou uma série de iniciativas para permitir que sua entidade passe a ter um “papel central para coordenar” as decisões da Rio 2016, incluindo a contratação de uma consultoria independente que irá avaliar diariamente o andamento das obras. Já se pensa até em um “plano B” para as Olimpíadas de 2016.

Além do atraso das obras em terra, a poluição da Baía da Guanabara é outro alvo das críticas contra a organização da Olimpíada do Rio. O local será sede das competições de vela e do primeiro evento-teste para os Jogos, em agosto de 2014. Atletas e federações estrangeiras das modalidades já demonstraram insatisfação com a qualidade da água e alertaram mais de uma vez para o risco de algum competidor contrair uma doença no local, por causa da poluição. Também já deixaram claro o temor de que as provas possam ser comprometidas pelos detritos flutuantes na Baía.

As provas serão realizadas na boca da Baía, incluindo a Marina da Glória e as Praias do Flamengo e Botafogo, locais com forte despejo de esgoto sem tratamento e de onde sairão os barcos para as provas. O rio Carioca que foi tão importante, durante séculos, para a oferta de água potável para a cidade maravilhosa se tornou, hoje em dia, uma “língua negra” que carrega o esgoto para o mar. A Baia da Guanabara já foi muito cantada em prosa e verso e é parte constitutiva da “Cidade Maravilhosa”.

Contudo, a baia tem sofrido com o lixo e a poluição que recebe dos rios/esgotos e se tornou um grande pinico, uma área de descarte da sujeira de toda a região metropolitana do Rio de Janeiro. Desta forma, a baia está se tornando um organismo semimorto.

A novela da despoluição da Baia (“Pinicão”) da Guanabara é antiga. Depois de séculos de maltratos, foi anunciado durante a Eco-92, o Programa de Despoluição da Baía de Guanabara, que começou a ser executado em 1995, mas foi prorrogado diversas vezes e, depois de gastar mais de US$ 1 bilhão, continua sem apresentar resultados palpáveis. Das quatro estações previstas no projeto (conhecido como PDBG) nenhuma está operando plenamente. O programa, assinado em 1994, contou com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), passou por seis governos, mas previa a conclusão da primeira fase de obras em cinco anos. Porém, até hoje, apenas 36% de todo o esgoto gerado nos 15 municípios do entorno da baia é tratado.

O “Pinicão”, como tem sido renomeada a Baia, recebe em média 10 mil litros por segundo de esgoto sem tratamento. Isto destrói a vida marinha e espalha o odor fétido por toda a região. O dinheiro das obras cai no “ralo” e o esgoto não chega às estações de tratamento. As redes coletoras não foram construídas. Algumas estações foram inauguradas diversas vezes, mas até hoje não funcionam. Os lixões no entorno da baía só agravam a situação, com a liberação do chorume. Segundo depoimento de antigos pescadores, o volume de pescado se reduziu em 80% e diversas espécies de peixes e crustáceos desapareceram.

O quadro não é diferente nas lagoas da Barra e de Jacarepaguá, onde predominam Ilhas de lixo e lodo, mau cheiro, água preta e pastosa, tomada de esgoto, ou verde florescente, coberta de cianobactérias, segundo reportagem do jornal O Globo de 13 de abril de 2014. A reportagem mostra que havia um projeto para dragar um perímetro de 15 quilômetros de extensão das lagoas de Marapendi, Tijuca, Jacarepaguá e Camorim, além dos canais de Marapendi e da Joatinga. Estava licitado desde julho de 2013. No entanto, após denúncias de formação de cartel na concorrência vencida pelo consórcio Complexo Lagunar — formado por Queiroz Galvão, OAS e Andrade Gutierrez —, o então secretário do Ambiente, Carlos Minc, suspendeu a homologação da licitação. Enquanto isso, nas ilhas de lixo da Lagoa da Tijuca, garrafas PET e sacolas plásticas são o de menos: há sofás, pneus, para-choques de carros… Perto dali acontece um fétido “encontro das águas”: de um líquido escuro do Canal do Anil e do Arroio Fundo com o esverdeado, cheio de cianobactérias, vindo da Lagoa de Jacarepaguá. Esta última receberá em seu entorno equipamentos como o Parque Olímpico e a vila dos atletas.

Esta é a realidade que os atletas das Olimpíadas 2016 poderão encontrar na época das competições. Na cidade em que o mundo todo se reuniu em duas grandes Conferências para discutir o meio ambiente, na Rio/92 e na Rio+20 em 2012, quase nada foi feito para despoluir a Baia da Guanabara, as lagoas da Barra e de Jacarepaguá e nem para recuperar os rios que foram fundamentais para o crescimento da cidade. Mas as violências ambiental e social são preocupações crescentes na cidade maravilhosa.

As Olimpíadas modernas – especialmente depois da hegemonia da sociedade do espetáculo – se transformaram em um jogo demasiadamente competitivo e uma máquina de propaganda, de ufanismo e de geração e acumulação de lucros. O esporte virou uma guerra estressante para os atletas que precisam ganhar medalhas para conseguir patrocínios. Porém, a desorganização na preparação da infraestrutura dos jogos do Rio ameaça transformar a máquina de lucros em fonte de prejuízos. Para a maioria da população brasileira que não tem nada a ver com tudo isto, soa estranho que o resto do mundo tente cobrar as contas do Rio de Janeiro e do Brasil. A insatisfação é geral. Assim, toda esse imbróglio faz a Olimpíada do Rio 2016 parecer uma grande piada, piada de mau gosto.

Artigo relacionado:
ALVES, JED. Futebol: esporte ou ópio do povo na sociedade do espetáculo? EcoDebate, RJ, 31/01/2014

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, Doutor em demografia e professor titular do mestrado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

Fonte: EcoDebate

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