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quinta-feira, 20 de março de 2014

Maternidade precoce e violência contra meninas e adolescentes, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

“A sociedade culpa muito frequentemente apenas a garota por ficar grávida, mas a realidade é que a gravidez na adolescência muitas vezes não é uma opção, mas sim o resultado de ausência de escolhas e de circunstâncias que fogem do controle das meninas. ” Babatunde Osotimehin, diretor-executivo do UNFPA

A maternidade precoce era uma realidade frequente na fase pré-transição demográfica, quando a sociedade era rural, os níveis de mortalidade infantil eram altos, havia reduzidas chances educacionais para os jovens e o mercado de trabalho não exigia requisitos mínimos de qualificação profissional.

Mas com o processo de modernização e o avanço da inclusão social, o início da maternidade tende a ser postergado quando as adolescentes têm a oportunidade de permanecer na escola e podem contar com boas ofertas de emprego após terminar os cursos oferecidos pelo sistema educacional. A conquista da autonomia profissional é fundamental para que a decisão de casar e/ou ter filhos seja feita de maneira livre e consciente.

Todavia, 7,3 milhões de adolescentes, abaixo de 18 anos, dão à luz por ano nos países em desenvolvimento (incluindo o Brasil), de acordo com Relatório divulgado pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). Segundo o relatório, desse total, 2 milhões de nascimentos são de mães com menos de 15 anos. A média, segundo a ONU, é de 20 mil adolescentes dando à luz diariamente. Ao todo, há 580 milhões de mulheres adolescentes no mundo.

O documento intitulado “Maternidade Precoce: enfrentando o desafio da gravidez na adolescência” aborda, entre outras questões, “as implicações da gravidez na adolescência e o que pode ser feito para garantir uma transição saudável e segura para a vida adulta”. As principais causas apontadas para a gravidez precoce são: casamentos muito cedo, pobreza, obstáculos a direitos humanos, violência sexual, restrições a políticas de métodos anticoncepcionais, falta de acesso a educação e serviços de saúde ligados ao tema dos direitos sexuais e reprodutivos.

Cerca de 70 mil garotas morrem todos os anos de complicações da gravidez e ocorrem anualmente 3,2 milhões de abortos inseguros nos países em desenvolvimento, representando 98% do total em todo o mundo. A ONU ressalta que, na maioria desses países, a prática do aborto é considerada ilegal. Ao todo, 1,4 milhão deles ocorrem na África, 1,1 milhão na Ásia e 670 mil nos países da América Latina e Caribe.

O documento do UNFPA diz que se as adolescentes brasileiras adiassem a gravidez para depois dos 20 anos, a produtividade do país poderia aumentar em US$ 3,5 bilhões (algo em torno de R$ 8 bilhões). Os custos da maternidade precoce não são apenas macroeconômicos, pois muitos sonhos e perspectivas individuais são postergados ou definitivamente interrompidos. A maior parte das gravidezes precoces ocorrem entre populações vulneráveis e muitas são fruto da violência sexual ou da exclusão social.

No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, os casos de gravidez entre mulheres com menos de 20 anos diminuíram em todo o território nacional de 2000 a 2012. No início do atual século, cerca de 750 mil adolescentes foram mães no país. Em 2012, o número caiu para 536 mil.

Conforme a coordenadora da Saúde do Adolescente e do Jovem do Ministério da Saúde (MS), Thereza de Lamare, o MS busca facilitar e ampliar o acesso a métodos contraceptivos na rede pública e nas drogarias conveniadas do Programa Aqui Tem Farmácia Popular. Atualmente, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), as mulheres em idade fértil podem escolher métodos contraceptivos como: preservativos, anticoncepcional injetável mensal e trimestral, minipílula, pílula combinada, diafragma e dispositivo intrauterino (DIU). Nos últimos cinco anos o SUS distribuiu, em média, 500 milhões de unidades de preservativos masculinos.

Outra questão destacada pela coordenadora é que parte das jovens mães brasileiras sofreu algum tipo de abuso. O governo planeja lançar uma cartilha de estratégias para combater a violência contra crianças e adolescentes. Para difundir a informação, também fora das escolas, os jovens podem acessar pela internet as cadernetas de Saúde de Adolescentes (masculina e feminina) e outros materiais voltados para educação sexual. Eles podem também, no mesmo espaço, tirar dúvidas online.

O fato é que a gravidez não desejada é uma realidade no Brasil e no mundo. Isto reflete a falta de direitos efetivos por parte das meninas e adolescentes e o não cumprimento da meta 5b dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM) que trata da necessidade de universalização dos serviços de saúde sexual e reprodutiva. Mudar esta situação é uma tarefa urgente.

Também a pesquisa coordenada pela professora Dora Mariela Salcedo Barrientos, do curso de Obstetrícia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP feita junto a 61 adolescentes grávidas cadastradas no Hospital Universitário (HU) confirmou que 60% das mulheres que já engravidaram foram vítimas de algum tipo de violência doméstica por parceiro íntimo no decorrer da vida conjugal, e 20% destas sofreram violência psicológica e física grave durante a gravidez como, por exemplo, socos, queimaduras e ameaças envolvendo o uso de arma. Segundo Araujo (2013):

“A violência intrafamiliar constitui um grave problema de saúde pública, uma vez que afeta profundamente a integridade física e psicológica das vítimas. O estudo aponta diversos sintomas e transtornos que podem aparecer em decorrência da violência intrafamiliar, por exemplo: doenças no aparelho digestivo e circulatório, dores e lesões musculares, desordens menstruais, ansiedade, depressão, suicídio, uso de entorpecentes, transtorno de estresse pós-traumático, lesões físicas, privações, entre outros. No que se refere à saúde reprodutiva, a violência contra a mulher tem sido associada a gestações indesejadas, dor pélvica crônica, doença inflamatória pélvica e maior incidência de doenças sexualmente transmissíveis.

O estudo ainda levantou o perfil das adolescentes entrevistadas: idade média de 17 anos; a maioria das jovens eram brancas ou pardas (95%), solteiras (90,1%); com nível de escolaridade adequado para a idade (54,1% – nível médio); procedentes do Estado de São Paulo; vivendo em moradias próprias (62,5%), com acesso a serviços básicos como água, luz, esgoto e coleta de lixo. A prevalência de violência entre as jovens que tinham condição precária na moradia foi maior do que entre aquelas com residência salubre. Para grande parte das famílias das adolescentes entrevistadas (79,6%), a renda per capita média foi de R$ 474,95, variando entre R$ 66,67 e R$ 1.550,00”.

Segundo o UNFPA: “Para romper esse ciclo e assegurar que adolescentes e jovens alcancem seu pleno potencial, é preciso:

- Investir em políticas, programas e ações que promovam os direitos, a autonomia e o empoderamento de adolescentes e jovens, em especial meninas, em relação ao exercício de sua sexualidade e de sua vida reprodutiva, para que possam tomar decisões voluntárias, sem coerção e sem discriminação;

- Garantir o acesso de adolescentes e jovens à informação correta e em linguagem adequada sobre os seus direitos, incluindo o direito à saúde sexual e reprodutiva, bem como o acesso à educação integral em sexualidade;

- Assegurar o acesso às ações e aos insumos de saúde sexual e reprodutiva, tais como preservativos e contraceptivos, para que gravidezes não planejadas sejam evitadas;

- Envolver as famílias, comunidades, serviços e profissionais de saúde na resposta adequada às necessidades e demandas de adolescentes e jovens, incluindo aquelas relacionadas à saúde sexual e reprodutiva.

- Garantir a participação de adolescentes e jovens nos processos de tomada de decisões, como condição fundamental para os avanços democráticos e para a realização de seus direitos”.

Referências:

UNFPA. Maternidade Precoce: enfrentando o desafio da gravidez na adolescência, 2013
http://www.unfpa.org.br/novo/index.php/669-gravidez-na-adolescencia-e-tema-do-relatorio-anual-do-unfpa-2

http://www.unfpa.org.br/Arquivos/Gravidez%20Adolescente%20no%20Brasil.pdf

UNFPA. Maternidad en la niñez: Enfrentar el reto del embarazo en adolescentes. Estado de la población mundial, 2013, New York, 2013 http://www.unfpa.org.br/Arquivos/SP-SWOP2013.pdf

ALVES, JED. Fecundidade, Cidadania e Políticas de Proteção Social e Saúde Reprodutiva no Brasil,
Seminário Internacional “Saúde, Adolescência e Juventude: promovendo a equidade e construindo
habilidades para a vida”, Ministério da Saúde e UNFPA, Brasília, 17/11/2013

http://www.unfpa.org.br/Arquivos/apresentacao_eustaquio.pdf

http://www.unfpa.org.br/novo/index.php/657-apresentacoes-feitas-durante-seminario-sobre-saude-e-adolescente-estao-disponiveis-para-download

Gabriel Almeida Araujo. Adolescentes grávidas são vítimas frequentes de violência, USP, 12/12/2013
http://www.usp.br/agen/?p=163002

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE;

Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

Fonte: EcoDebate

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