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quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Morrer de trabalhar, literalmente

Em algumas categorias, longas jornadas são quase uma questão de honra
A morte de um estagiário do Bank of America, supostamente por “excesso de trabalho”, levou a colunista Lucy Kellaway, do Financial Times (cujos textos são reproduzidos no Brasil pelo Valor Econômico), a questionar por que jornadas extensas e extenuantes são tão comuns entre analistas de investimentos. Na especulação da jornalista, esses profissionais vivem cercados pelos seus pares, e, com isso, acabam tendo distorcida sua percepção do que é normal em matéria de horas de labuta diárias. E ela lembra que, muitas vezes, essa rotina deriva de exigências dos clientes, não raro infladas por promessas excessivas das chefias – como relatórios extensos de um dia para o outro, por exemplo, que, obviamente, demandarão que alguém vire a noite para elaborá-los. O que mais surpreende Kellaway é que, a despeito dessa “estupidez” (palavra dela) de excesso de trabalho, os cargos de analistas de investimentos em grandes bancos continuam muito cobiçados.

workaholic-dangelo-350Uma antropóloga pode ajudar a lançar luz sobre a estupefação de Kellaway. Karen Ho trabalhou como analista em Wall Street quando realizava uma etnografia que se tornaria livro (“Liquidated: an ethnography of Wall Street”, Duke University Press, 2009). Convivendo com o pessoal do mercado financeiro, Ho percebeu que os ‘wall streeters’ definem-se como uma elite global, capaz não apenas de determinar os rumos do mercado financeiro, como também da cultura corporativa dos Estados Unidos. Uma elite, fique claro, restrita às atividades-fim dos bancos de investimento (comprar e vender ações, produzir análises e relatórios), e que não abrange aqueles que desempenham funções operacionais, apelidados maldosamente de “nove-às-cinco”. A alcunha já indica que as longas jornadas são parte do ethos desses profissionais cuja principal virtude, eles mesmos admitem, não está no preparo superior em matéria de negócios e finanças – e sim em serem “espertos”, agressivos e ambiciosos. Afinal, justificam, todo o resto se aprende, mas esses traços de personalidade, não.

Ora, agressividade, ambição e disposição para o trabalho precisam ser mostrados de alguma forma, e, depreendo eu, as longas jornadas cumprem esse papel. Em uma atividade que é essencialmente imaterial, na qual nem sempre existem resultados palpáveis pelos quais medir competência e produtividade, as 14 horas em frente a um monitor da bolsa de valores podem ser o sinal mais relevante sobre o talento de alguém. E como a “elite global” cultua o mercado e seus mecanismos de seleção, entre os quais o darwinismo adaptativo, não convém sair mais cedo, ou simplesmente em um horário razoável, enquanto o colega e concorrente continua ali, sentadinho na cadeira. E assim o ciclo vai se alimentando.

Por mais tolo que possa parecer a Kellaway o tempo in company despendido por esse pessoal, ele é um componente importante da cultura dessa tribo profissional. Uma cultura que, sabemos bem, não se circunscreve a essa atividade, lembremos – há várias empresas de outros setores nas quais reina uma disputa implícita pelo título de campeão de horas extras mensais. Por isso, quando esse episódio do estagiário do Bank of America foi noticiado, lembrei imediatamente de uma frase que ouvi certa vez na televisão, e que, por mais insensível que pareça, guarda lá seu fundo de (triste) verdade: “quem se mata de trabalhar tem mais é que morrer”.

Fonte: Revista Amanhã

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