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sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Menos ciência, mais poluição

Em um artigo publicado em agosto na revista Nature Reviews Cancer, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) apresentam um mapa da poluição atmosférica no mundo e mostram que os países com piores índices de qualidade do ar são justamente aqueles com menor produção científica sobre o tema.

Na avaliação de Lais Fajersztajn, autora principal da pesquisa realizada com apoio da FAPESP, os resultados indicam que a ciência é uma ferramenta importante para mudar esse cenário e precisa ser fortalecida nos países em desenvolvimento por meio de colaborações internacionais. “Quanto mais conhecimento houver e melhor ele for divulgado, mais chances teremos de lidar com o problema”, disse.

Para fazer a comparação, os pesquisadores cruzaram os dados sobre densidade populacional e poluição atmosférica disponíveis no site do Banco Mundial com a base de dados Web of Science, índice de citações on-line mantido pela Thomson Reuters.

Enquanto países desenvolvidos como Estados Unidos, Canadá e a maior parte dos europeus apresentaram os índices mais baixos de poluição (entre 5 e 20 microgramas de material particulado inalável por metro cúbico de ar, μg/m3), as nações em desenvolvimento – concentradas principalmente na América do Sul, norte da África e regiões próximas à Índia e à China – ficaram nas faixas mais altas (entre 71 e 142 μg/m3). A recomendação da Organização Mundial da Saúde para este poluente são valores abaixo de 20 μ/m3.

O mapa compara a densidade populacional de 2009 com a concentração média anual de material particulado (PM10) em todo o mundo, com base em dados do Banco Mundial. Crédito: Fajersztajn, L., et al. Nature Reviews Cancer13 674–678 (2013)



 “Vale dizer que os dados ainda são subestimados, pois consideram regiões muito grandes e diversas. O Brasil, por exemplo, está na mesma faixa dos Estados Unidos, que é a mais baixa. Mas é uma média de todo o país, que tem lugares muito poluídos e outros pouco poluídos”, afirmou Fajersztajn.

Já o levantamento na base da Web of Science mostrou que as pesquisas relacionadas ao impacto da poluição do ar na saúde estão concentradas principalmente na América do Norte e Europa, seguidas por China, Austrália, Brasil e Japão. É praticamente inexistente na África, na Índia e nos demais países da América do Sul. Segundo os autores, os países em desenvolvimento contribuíram com apenas 5% das pesquisas já realizadas sobre o tema.

“Alguém poderia argumentar que alguns desses países são tão pobres e têm tantos problemas que não teriam condições de produzir conhecimento científico sobre qualquer assunto. Então, para comparar, buscamos também as pesquisas publicadas sobre malária e sobre qualidade da água”, contou Fajersztajn.

Também nesses dois campos de estudo os Estados Unidos e a Europa se destacam, mas os resultados mostram que 20% das pesquisas sobre qualidade da água e 70% dos estudos sobre malária foram feitos nos países em desenvolvimento.

Paradoxalmente, ressaltam os pesquisadores no artigo, o número de mortes prematuras causadas pela poluição atmosférica tende a superar o de mortes por malária e por falta de saneamento básico nos próximos anos. Segundo estimativa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a exposição a poluentes vai se tornar a principal causa ambiental de morte prematura até 2050.

“Ninguém é contra desenvolver uma vacina ou um novo medicamento contra malária, mas buscar solução para reduzir a poluição envolve interesses econômicos e mudanças de comportamento, como leis mais restritivas ao uso de carros. É um desafio muito grande e, portanto, a ciência precisa ser fortalecida nos países em desenvolvimento”, disse Fajersztajn.


Os mapas indicam a distribuição de material particulado (a), de artigos publicados sobre poluição atmosférica (b), artigos publicados sobre qualidade da água (c) e artigos publicados sobre malária (d). Os dados de produção científica são da base de dados Web of Science, entre março de 1983 e março de 2013. Crédito: Fajersztajn, L., et al. Nature Reviews Cancer13 674–678 (2013)

Câncer de pulmão

Há evidências científicas que relacionam exposição à poluição a elevação no risco de doenças cardiovasculares, problemas respiratórios e vários tipos de câncer. No artigo divulgado na Nature Reviews Cancer, os pesquisadores da USP reuniram os principais estudos que mostram como poluentes aumentam o risco de câncer de pulmão.

O trabalho mais recente, publicado este ano no The Lancet Oncology, reúne dados de mais de 300 mil indivíduos em nove países. Os resultados indicam que, no grupo exposto à poluição, o risco de câncer se eleva em 50% a cada 10µg/m3 de material particulado fino inalado, quando o adenocarcinoma de pulmão é considerado isoladamente.

“O câncer de pulmão é um dos mais letais e a prevenção tem se mostrado a melhor abordagem para a doença. No artigo, ressaltamos que a poluição do ar é um fator de risco para o câncer de pulmão passível de ser prevenido, assim como o tabaco”, disse Fajersztajn.

Embora o risco causado pela poluição não seja tão alto quando comparado ao tabaco (que chega a elevar em 30 vezes a probabilidade de desenvolver a doença), ainda assim é um problema de saúde pública importante, ressaltou a pesquisadora, pois toda a população está em certa medida exposta.

De acordo com Paulo Saldiva, pesquisador do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da Faculdade de Medicina da USP e orientador de Fajersztajn, o mapa da poluição mostra que as regiões com pior qualidade do ar são também as mais densamente povoadas. “Isso significa que há muita gente exposta a níveis altíssimos de poluição, o que está totalmente relacionado ao aumento do risco de câncer”, disse.

Para Saldiva, o mapa mostra também que os benefícios da urbanização estão distribuídos de forma altamente desigual no mundo. Esse fenômeno, que ele chama de “racismo ambiental”, tem grandes impactos sobre a saúde da população de países em desenvolvimento.

“Medidas de política pública são a única forma de proteger a população. É a vacina moderna. Não tem nada que os indivíduos possam fazer de forma isolada”, disse.

Aos cientistas, acrescentou Saldiva, cabe não apenas a missão de produzir o conhecimento sobre os riscos dos poluentes como também o de traduzir essas informações para o público leigo e ajudar na conscientização.

“Um exemplo é o caso do bisfenol A (tóxico presente em alguns tipos de plástico suspeito de causar problemas como câncer, diabetes e infertilidade). Bastou avisar as mães sobre os riscos dessa substância que o próprio mercado tratou de banir as mamadeiras com bisfenol. Não foi preciso esperar uma lei”, afirmou.

Saldiva – que coordena o Instituto Nacional de Análise Integrada do Risco Ambiental, um dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT) financiados pela FAPESP e pelo CNPq no Estado de São Paulo – apresentou os resultados da pesquisa durante a 28ª Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia experimental (Fesbe), realizada entre os dias 21 e 24 de agosto em Caxambu, Minas Gerais. A pesquisa contou também com a colaboração das pesquisadoras Mariana Veras e Ligia Vizeu Barrozo, ambas da FMUSP. 

Fonte: Fapesp

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